Preoccupations, “Memory”,
in https://www.youtube.com/watch?v=_P6qqceGQlM
Prouvera aquelas ideias coxas, ou manetas – depende da
intenção – que surgem embrulhadas no mais solene requinte. E, todavia, são malparidas
ideias, sem se perceber onde radicam os pressupostos, sem se perceber o fio
condutor que dá ordem ao raciocínio, sem se perceber como se articula a conclusão
com o resto que ficou para trás.
Algumas ideias destas chegam a ter muita audiência. Não é
coisa de somenos importância, advertem alguns hesitantes, na hora de caucionar
autoridade a essas ideias mercê da sua popularidade. Mas não é critério
acertado. As impressões gravitam à volta dessas ideias, talvez por serem
cativantes nas conclusões que encerram, talvez por polirem uma mensagem procurada
por gente numerosa órfã de referências. O que agrava o diagnóstico: pessoas com
urgência em encontrar uma personagem sebastiânica caem mais depressa em logros,
porque a urgência embacia a lucidez e não chegam a discernir a diferença entre
ideias com pés para andar e outras que apenas escondem banha da cobra por
vender.
Ato contínuo, sobem a palco alguns sacerdotes que se
julgam, a si mesmos, tutores da democracia e do sentir do povo, ajuramentando
tais teorias como se fossem catecismos imperativos. Um mecanismo que se
alimenta a si mesmo: as personagens messiânicas, assim que ganham o estatuto
messiânico, encontram largo séquito com facilidade. Quanto mais numeroso o séquito,
e quanto maiores os supostos pergaminhos intelectuais dos gurus que propagam as
ideias (falsamente) peregrinas, com mais frequência surge a convocatória para a
entronização de tais ideias como catecismos que deveriam ordenar as relações
num certo contexto.
Não passam de vulgatas, porém. Quanto mais delas
pretendem fazer corpos intelectuais à prova de bala, mais apetece a dissidência.
Uma dissidência metódica, criteriosa: a dissidência que se revolta contra
imperativos categóricos, que são cada vez mais categóricos no coroar do processo
de autoalimentação da autoridade moral das ideias. Chegado a este ponto o estatuto
das ideias cuja fecundidade é amplamente propagandeada, afino o ponto de mira
para a sua antítese. Não creio em personagens messiânicas, nem em ideias que
procuram tirar do tabuleiro outras que sejam suas rivais.
De ideias assim, direi que não sei se são ideias
malparidas, ou apenas malparadas.
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