Cocorosie, “Fairy Paradise”,
in https://www.youtube.com/watch?v=dvq52tltve4
Gosto das fotografias
tiradas pelos outros. Trato-a como um objeto exterior que se interioriza
através do olhar. É como se o espetador se metesse pelos olhos do fotógrafo,
com o hiato que medeia entre a fabricação da fotografia e a sua adesão aos
olhos do público.
Dois efeitos devem
ser considerados. Primeiro, a generosidade do artista que partilha o seu olhar,
tornado público quando dá à luz uma fotografia e a torna acessível a outros
olhares. O autor admite que outros olhos reproduzam o seu olhar, que o
interpretem. Segundo, um olhar (o do autor da fotografia) prolonga-se para uma
pluralidade de olhares que forem tutores da fotografia. O olhar original é
reproduzido numa miríade de olhares, tal como se ele se multiplicasse na exata
medida da amostra que passou os olhos pela fotografia. Junta-se, a estes
fenómenos, a coincidência de olhares no objeto retratado. Uma paisagem, um
rosto, um fragmento, um palco vivo, o que seja: uma imagem, um certo ângulo, a
luz que se empresta à fotografia, as palavras que se juntam à imagem retratada,
na diversidade de olhares que procuram sintetizar o olhar original que depurou
uma imagem através da lente que a fotografou.
Como em todas as
artes: o império da subjetividade, quando a fotografia se desnuda ao público e
o público ensaia olhares diferentes sobre o mesmo objeto. É o lastro da riqueza
substantiva dos Homens, que confere a distinção com que somos diferentes – e de
como essas diferenças são o húmus da riqueza antropológica. Por exemplo, quando
vejo um recém-licenciado em medicina à saída (ou à entrada) do hospital, sei
que é um neófito perito por duas razões: pela sua ainda imberbe feição e por
transportar a tiracolo a bata significativa da função para a qual recentemente
ficou habilitado. Tudo isto advém de uma lente objetiva. Em pose lateral,
considerações subjetivas. Eu diria que há jovens médicos que, de tanto
precisarem de exibir a farda em público e fora do horário de trabalho (estando,
por conseguinte, desfardados), acusam um toque de elitismo, o ar afetado de
quem considera ocupar lugar cimeiro na estrutura social por ter chegado a
licenciado em medicina – pois dá—se o caso de só um escol conseguir ser
admitido nas escolas que ensinam medicina e de a sua função ser essencial para o
bem-estar humano.
Outros olhares, talvez
mais modestos, ou apenas desatentos, fariam genuflexão aos jovens médicos que
ostentam, a tiracolo, a credencial profissional. Tomo o ato apenas por risível
e ostentatório. Uma vulgata pós-adolescente, aquartelada no que se convencionou
chamar “complexo de farda”.
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