Corona, “Pacotes”, in https://www.youtube.com/watch?v=ZIBRUWmbOVw
Coisa vil, a de apoucar os homens que foram varridos de
cobertura capilar. Em correção do preceituado, já esteve mais em desmoda. Houve
alturas em que a calvície era uma vergonha sobre o dorso dos padecentes. Hoje virou
moda. São carecas por opção. Oferece-se-lhes a vantagem de não terem de despender
dinheiro em champôs. Não deixa de ser uma curiosa inversão de termos, a julgar
pelos modismos vulgarizados para a masculinidade (descontando outros, contra
modismos – ou neo-modismos –, popularizados por metrossexuais que se pelam por
abdicar de pilosidades corporais): a calvície na inversa proporção da camada pubescente
noutras partes do corpo.
Nem quando no discurso se insinua a metonímia a
ostracização dos desprovidos de cabelo é aceitável. Não se pode invocar que a
luminosidade de ideias aparece na exata proporção do conteúdo capilar, que há
vultos das ciências que posam para a fotografia ostentando bem luzidia careca. Poder-se-ia
argumentar em concurso do contrário: justamente porque se lhes varreu o manto
capilar, as ideias assimilam-se fáceis e falam com facúndia. O cabelo é um
estorvo. Entaramela-se entre as ideias e a massa cinzenta que as depura. Nos calvos,
pelo contrário, a ausência de matéria capilar deixa à mostra um crânio lustrino
que espelha para dentro as purezas das ideias que procedem de uma inspiração
sem remetente. No repertório intelectual, é tudo ao contrário do Sansão.
Podiam-se arregimentar outras vantagens da calvície
(para além dos dotes intelectuais acima da média e da desnecessidade de champô):
não há dúvidas existenciais sobre o penteado a compor na próxima ida ao corte
do cabelo; não é preciso gastar dinheiro em cabeleireiros; não se corre o risco
da falta de higiene ser ampliada pelo cabelo imundo que se mostra; em possíveis
pelejas, o oponente não tem a vantagem do golpe baixo de quem agarra o adversário
pelos cabelos; em havendo parasitagem em redor, os calvos não se apoquentam;
nem se assoberbam quando notam o sinal inexorável dos tempos, selado através
dos grisalhos cabelos que enfeitam o conjunto.
E, depois (talvez o argumento decisivo), manda o adágio
popular dizer que elas gostam de carecas. Sentença bastante para desestimar
todo o precedente.
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