Nine Inch Nails, “Leaving
Hope”, in https://www.youtube.com/watch?v=yppksBz-JuI
Personagens que fazem de um espelho o estirador onde
apreciam, demoradamente, as suas feições excelsas, onde medem a dimensão das suas
proezas tendo por estalão outros com quem se põem em comparação para se situarem
na cumeada de onde têm um prazer obsceno em despedaçar os tais que serviram de
comparação. Devem roubar ao tempo de um dia um quinhão apreciável a serem
onanistas de si mesmos. Não lhes chega serem vaidosos; fazem questão em
ostentar a vaidade que sentem de si mesmos. Consideram-se a pessoa mais notável
que a humanidade teve o prazer de conhecer.
Os devaneios narcísicos consomem a lucidez – o que acaba
por os condenar (sem que a condenação seja por eles admitida) ao ultraje de uma
deformidade. O consumo da lucidez está nas figuras autocentradas em que se
arvoram. Não vou dizer – e não quero, a este propósito, explorar os caminhos da
filosofia – que não seja descabido cada indivíduo considerar-se ilha, apesar de
sermos instruídos desde os bancos da escola por conceituadas teorias que educam
para o conforto de sermos apenas um minúsculo e irrelevante grão na engrenagem
da sociedade, essa coisa virtuosa, e que devemos prescindir do ego para
sublimar a integração no todo. Somos ilha no sentido físico da pessoa: não sentimos
os sentimentos dos outros, nem as suas dores, nem temos a capacidade de lhes
adivinhar o pensamento, ou de deles importar ideias que ainda não saíram das
suas cabeças. E embora sejamos ilhas, serão decaimento da personalidade os
acessos de um obsessivo autocentrar, como se mais ninguém fosse gente – ou, em
ao menos admitindo que há gente fora do umbigo dos narcísicos, não admitindo
que vivalma que possa ter o topete de rivalizar com os indefetíveis da vaidade numa
espúria competição em que sentenciam, em proveito próprio, não haver ninguém
capaz de lhes levar a palma.
Já esbarrei em alguns vultos que passeiam, com trela sumptuosa,
a interminável vaidade. São personagens que me emprestam um singular prazer: em
dias de penumbra adejando sobre o pensamento, vem a preceito uma centelha risível
como contraponto. O processo termina com um sentimento diferente: a comiseração
de que são credores os vaidosos que não sabem meter freio à incomensurável
vaidade em que medram. É como se vivessem (sem darem conta) consumidos pelo próprio
bolçar nutrido pela vaidade ilimitada.
Os pobres vaidosos que se elevam a um pináculo que só
tem existência no mundo fantasioso em que vivem sitiados devem, no fim de
contas, ter graves problemas em se aceitarem como são. De outro modo, não
precisavam de reivindicar reconhecimento exterior. Não precisavam de bater no
peito enquanto urram “eu sou o maior, eu
sou o maior” e, ato contínuo, suplicam à audiência que arregimentaram “digam lá que tenho razão”.
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