28.9.16

Da vaidade como armadilha

Nine Inch Nails, “Leaving Hope”, in https://www.youtube.com/watch?v=yppksBz-JuI
Personagens que fazem de um espelho o estirador onde apreciam, demoradamente, as suas feições excelsas, onde medem a dimensão das suas proezas tendo por estalão outros com quem se põem em comparação para se situarem na cumeada de onde têm um prazer obsceno em despedaçar os tais que serviram de comparação. Devem roubar ao tempo de um dia um quinhão apreciável a serem onanistas de si mesmos. Não lhes chega serem vaidosos; fazem questão em ostentar a vaidade que sentem de si mesmos. Consideram-se a pessoa mais notável que a humanidade teve o prazer de conhecer.
Os devaneios narcísicos consomem a lucidez – o que acaba por os condenar (sem que a condenação seja por eles admitida) ao ultraje de uma deformidade. O consumo da lucidez está nas figuras autocentradas em que se arvoram. Não vou dizer – e não quero, a este propósito, explorar os caminhos da filosofia – que não seja descabido cada indivíduo considerar-se ilha, apesar de sermos instruídos desde os bancos da escola por conceituadas teorias que educam para o conforto de sermos apenas um minúsculo e irrelevante grão na engrenagem da sociedade, essa coisa virtuosa, e que devemos prescindir do ego para sublimar a integração no todo. Somos ilha no sentido físico da pessoa: não sentimos os sentimentos dos outros, nem as suas dores, nem temos a capacidade de lhes adivinhar o pensamento, ou de deles importar ideias que ainda não saíram das suas cabeças. E embora sejamos ilhas, serão decaimento da personalidade os acessos de um obsessivo autocentrar, como se mais ninguém fosse gente – ou, em ao menos admitindo que há gente fora do umbigo dos narcísicos, não admitindo que vivalma que possa ter o topete de rivalizar com os indefetíveis da vaidade numa espúria competição em que sentenciam, em proveito próprio, não haver ninguém capaz de lhes levar a palma.
Já esbarrei em alguns vultos que passeiam, com trela sumptuosa, a interminável vaidade. São personagens que me emprestam um singular prazer: em dias de penumbra adejando sobre o pensamento, vem a preceito uma centelha risível como contraponto. O processo termina com um sentimento diferente: a comiseração de que são credores os vaidosos que não sabem meter freio à incomensurável vaidade em que medram. É como se vivessem (sem darem conta) consumidos pelo próprio bolçar nutrido pela vaidade ilimitada.
Os pobres vaidosos que se elevam a um pináculo que só tem existência no mundo fantasioso em que vivem sitiados devem, no fim de contas, ter graves problemas em se aceitarem como são. De outro modo, não precisavam de reivindicar reconhecimento exterior. Não precisavam de bater no peito enquanto urram “eu sou o maior, eu sou o maior” e, ato contínuo, suplicam à audiência que arregimentaram “digam lá que tenho razão”.

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