Teho Teardo & Blixa Bargeld, “Defenestrazioni”, in https://www.youtube.com/watch?v=3OxGkzg4vC0
Um lago que oferece águas serenas. O voo de uma ave ao
longe, dir-se-ia suspensa no ar, desafiando os elementos imperturbáveis. O sol
acolhedor. Os garfos em cima da mesa, à espera de ajudarem a descobrir os
segredos do paladar. Os afetos em atraso. Os risos em atraso. O jardim bucólico
servido num ecrã difuso, o jardim sem se saber ao certo onde é. Música para rimar
com o estado de espírito. E o estado de espírito que ora se agiganta ora se
angustia, à medida das músicas que passam em surdina. A memória furtiva. O
ângulo morto do retrovisor não deixa ver mais nada e pode destravar
catástrofes. O cansaço das noites mal dormidas. A imponência das montanhas que
desfilam numa interminável sucessão de telas mentais. As pálidas cores do lago
majestoso tomado pelo nevoeiro da manhã. O clamor interior penhor dos
sobressaltos constantes. As rimas que não rimam, na exata medida das palavras
que se amontoam em espelhos baços. O relógio que emparelha com uma bússola,
ambos aparentando pobre estado de conservação. Dias escuros entrecortados por
dias soalheiros. O corpo em urgente convocatória de desafios, como se fosse
preciso provar que não é o corpo de um super-homem nem o corpo que se abeira da
decadência. Provocações estéreis. Os lugares que apetece visitar e não se tem a
certeza se tempo haverá para a sua visitação. Os livros amontoados e a música
que se calhar não será jamais escutada. O fio do horizonte esconde os segredos
que os dias vindouros virão postergar. Um ultimato. A dança que nunca foi
dançada. Os olhos marejados com as saudades do futuro. Os lençóis descompostos
pelo sobressalto do sono. O olhar comprometido dos gatos. A metáfora
inconsistente, pano de fundo para a fuga das palavras. Motins arcaicos que, por
o serem, não passam de pretextos. A terrível incerteza embestada pela
insegurança dos esteios. O refúgio dentro do silêncio. A estouvada, irascível
fusão dos sentimentos à passagem de acontecimentos destemperados. Palavras
reditas, desnecessariamente. A calma extinguida. A paciência que se recupera, árdua
empreitada num mosaico minucioso. O ocaso que promete um dia melhor. A
compensação vertida na cartografia dos desejos.
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