17.10.16

Booze

Ganso, “Lá Maluco”, in https://www.youtube.com/watch?v=iSb-n0q79Bw
Aprenderam com Tom Waits. (Apesar de não saberem que é Tom Waits.) Bebiam até se esquecerem que tinham bebido. Quando acordavam da letargia etílica, sondavam as imediações para encontrar mais bebida. Não tinham tempo para a ressaca. Caírem inanimados não contava como ressaca. A hibernação dose sentidos hipotecava as dores corrosivas da digestão da embriaguez.
Bebiam ao desafio. Mistelas inenarráveis, inventando cocktails impensáveis. Shots de bebidas brancas que incluíam impressionantes doses puras de álcool. Não se lembravam quando fizeram o tirocínio da bebida. Terá sido na adolescência. Mas se as memórias recentes depressa se consumiam no vapor do álcool que navegava nas veias, como podiam esquadrinhar memórias mais distantes? Não se importavam em arranjar resposta para a interrogação. Era uma perda de tempo. Enquanto fossem às alcáçovas do tempo desperdiçavam o tempo de agora para beber mais um trago. E os cientistas sempre advertiram que o consumo de bebidas alcoólicas corrompe os neurónios, afetando as capacidades cognitivas e as possibilidades da memória. Quanto às primeiras, os comparsas da bebida não atribuam grande importância. Não precisavam da cognição para grande coisa. A embriaguez dispensa a inteligência e embacia o conhecimento. Por maioria de razão, a perda de memória não tinha cabimento no baú das prioridades.
Havia quem certificasse, juntando uma pose censória, que eles bebiam para esquecer. Admitia-se: para se esquecerem do tempo que pertencia ao pretérito. Seria, porventura, porque o outrora não fora pródigo para os estroinas da bebida. Só que eles não se lembravam se tinha sido assim. Para não incomodarem a segurança argumentativa, conferiam razão aos censores. Também não podiam questionar a presciência dos oráculos dos censores, não fossem estes levados ao abespinhamento. E os censores agradeciam, ufanos e contentes por acertarem no diagnóstico da vida de alguém (já que, quanto às vidas próprias, a assertividade devia ser miserável).
Os companheiros da bebida eram uma irmandade. Bebiam até os corpos se arrastarem pelas cadeiras. Não queriam saber de mais ninguém, porque mais ninguém entendia o vício. Os censores protestavam contra esta decadência. Os bêbados não se importunavam. Os censores que dissessem o que tivessem por prestimoso. Assim como assim, aos decadentes da bebida só importava a bebida seguinte.

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