P. J. Harvey, “A Line in
the Sand” (live), in https://www.youtube.com/watch?v=4Tsu_MHxNT8
Não falarei do outono – ou da sua tardia entrada, em
lembrando, como lembro, como o outono coincidia com os alvores de outubro
quando era criança. Não falarei da exultação, num coro quase uníssono, porque
um dos “nossos”, antigo primeiro-ministro, foi escolhido para patrulhar as
relações internacionais desde Nova Iorque. Não falarei do outono, isso é certo.
Também não falarei das festividades que se antecipam por ocasião do primeiro
aniversário do governo de salvação nacional – o atual, ou do folclore da Europa
contra o pequeno Portugal, ou da conspiração adivinhada pelo pequeno Portugal a
quem convém que a Europa seja inimiga. Não falarei do outono, repito. Não falarei
de um louco – um louco em sentido literal – que assobiava para uma flauta nas
ruas de Copenhaga um arrazoado de sons ininteligíveis, sem parecença com música,
esperando, de chapéu estendido no chão, pela esmola dos passeantes. E também não
falarei no outono. Não falarei das pitonisas que se abespinham quando um
lugar-tenente da irreverência solta duas bojardas em jeito de provocação – nem de
como elas, as ditas pitonisas, não intuem o logro de que são presas quando lavram
doutrina moralista em resposta aos irreverentes. Não será desta vez que falarei
do outono. Não falarei dos boçais que não sabem dedicar outro tratamento se não
o da aspereza e da má educação – e não falarei da interrogação que sobe à
superfície: se serão sempre assim, os boçais, até com as pessoas de quem gostam
(se é que a boçalidade os adestra a terem tamanho sentimento)? Não será ocasião
de falar do outono. Não falarei de uma civilização nórdica que dispensa proibições
que ostentam a autoridade de quem as impõe e, em sua vez, pede às pessoas o
favor de não terem um determinado comportamento que quadra com uma proibição. Não
falarei do outono – que continuo sem provar e que pude experimentar em terras nórdicas.
Não falarei de escritores que se julgam gurus de autoajuda e não percebem que não
são escritores. E só falarei do outono quando ele quiser ser visitação, nem que
seja tardia. Nessa altura, falarei. Do outono e do mais que houver por falar.
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