Tricky, “Time to Dance”
(Maya Jane Coles Remix), in https://www.youtube.com/watch?v=Mh_sre4xL0U
Não há voltas que o corpo dê que as não consiga voltar a
dar. Não há clarões dantes apreciados que não voltem ao terreiro da luta, ao
terreiro onde o corpo se endemoninha e se depõe na sua inteireza.
Louvados os perfunctórios desejos que desfreiam o corpo.
Entregue aos seus deslimites, o corpo exterioriza-se, atira-se contra as
fronteiras que o colocam fora de si. Dança, o corpo. Ou corre, desenfreado, sem
propósito outro do que correr por aí fora. Ou fala através do desejo. Sempre imarcescível.
Parece que o corpo vem comandado de fora.
Sem vontade própria. Dominado por uma entidade misteriosa. Uma entidade que,
dir-se-ia, não causa bons efeitos no corpo. Deitado numa piscina de água densa,
o corpo não precisa de nadar para marear à superfície. As mãos tocam nas mãos e
não sentem nada. As pernas mexem-se e não há um laivo de esforço. Não há
cansaço e, todavia, o corpo parece amordaçado pelo cansaço. Tremeluz. Como se
estivesse com espasmos – mas não é maleita. É o diabo por dentro do corpo. A emancipação
do corpo, que corta as amarras com a mente.
Os cientistas estão errados. Não é a mente que comanda o
corpo. Pelo menos quando o corpo está sitiado pelo diabo. E o corpo vai a eito
para as refregas que se perfilam. Sem medo. Covardemente corajoso. Ferve. O sangue
por dentro do corpo está em ebulição. E tudo por fora do corpo é como se
deixasse de importar, na colonização de tudo pela irrefreável vontade do corpo.
É possível ver o corpo a respirar, os movimentos microscópicos dos poros
abrindo-se e fechando-se na respiração e na inspiração. É possível ver o corpo
a fazer desenhos no ar à sua volta, como se do corpo adejasse um fluxo contínuo
de tinta fluorescente que deixasse uma peugada para memória futura.
E o corpo consagra-se num frémito, devolvendo o desejo
ao altar maior que deifica o corpo. O suor é a prova viva de um corpo exaurido
pelo diabo que o habita.
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