13.10.16

Pretextos

Noiserv, “Vinte e três”, in https://www.youtube.com/watch?v=OxI3EGgKp5k
- E se fossemos a correr ao coreto para ver se há música a tocar?
- Qual é a pressa?
- Não vá a música fugir. E depois, a tristeza açambarca-se de nós.
- E temos de ir ao coreto para ouvir música?
- Não é para isso que existem os coretos?
- Mas a música existe noutros lugares. Por que precisamos de um coreto?
- Não teimes nas perguntas. Por que não me fazes a vontade?
- Já te ocorreu que hoje pode não haver música no coreto?
- Mais perguntas...
- Não te ocorreu que a ida ao coreto pode ser em vão?
- Eu nem te disse onde era o coreto.
- E tu gostas da música tocada em coretos?
- Como sabes da música de que eu gosto?
- Não devia?
- Devias: de uma vez por todas, parar com as interrogações dilatórias.
- Impõe-se que te faça a vontade.
- Como faço tantas que tu sinalizas.
- Podíamos falar da reciprocidade. E de como ela é uma armadilha.
- Claro. Também podíamos falar do ciclo reprodutor dos golfinhos.
- Ou das auroras boreais.
- E, já agora, da formação exigida para ser polícia sinaleiro.
- Ou podíamos, apenas, continuar a trocar impressões sobre a música de coreto e da sua possível adesão a critérios aceitáveis de estética (musical).
- Eu atiro uma alternativa: tu, gentil por uma vez, podias não questionar a minha súbita vontade de ir a um coreto para ver o que se passa. E fazias-me companhia, simplesmente.
- E vamos a pé ou de automóvel?
- Isso interessa para o caso?
- Só para calcular a hora a que vamos sair. Demoramos menos tempo de automóvel.
- Queres levar o GPS para não nos perdermos?
- Não sei. Ainda não disseste onde fica o coreto. Posso saber o caminho de cor. Ou não.
- E se confiasses em mim e fosses pela minha mão onde te quero como companhia?
- A proposta é sedutora. Sabes que prezo a tua companhia.
- Confias em mim?
- Podíamos mergulhar nos meandros psicológicos da confiança, para tentar perceber por que mecanismos particulares ela se entretece quando uma pessoa convoca outra a nela depositar confiança. É um assunto que cativa a minha atenção.
- E se fosses mergulhar na penumbra da biblioteca à procura de resposta?
- Mas, nesse caso, não te posso acompanhar ao coreto.
- Deixa lá. Quando encontrares resposta para o dilema existencial da confiança, já estarei de regresso para te contar a incursão no coreto. Ou não. As tuas indagações podem a frutificar a desconfiança.

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