Todd Terje feat. Bryan Ferry, “Johnny & Mary” (live), in https://www.youtube.com/watch?v=HGaz7Ff0WvM
Entrega-me a manhã
dentro de um quadro sem moldura. Para terçarmos as fronteiras do tempo com os
dedos a preceito. Deixa o nevoeiro deitar-se sobre a manhã. Na penumbra ciciada
nas cortinas da névoa contém-se a magia da manhã. É como se fosse preciso
guardar do olhar outro os segredos que, por segredos serem, dispensam
testemunhas. As sombras vertidas no nevoeiro da manhã são zeladoras desses
segredos. A manhã fica imersa num torpor singular, de onde enxaguamos a matéria
larvar que interessa despojar, de onde aquiescemos no frondoso frontispício que
nos empresta nome. Enquanto temos manhã, arranjamos as palavras sortilégio.
Intuímos. Deixamos os corpos abraçados numa equação que segreda a fórmula de
uma liga mais resistente do que qualquer liga metálica. Não perguntamos pela
origem da manhã. Não precisamos. Somos suas autoridades superiores, os
curadores da manhã. E a ela nos entregamos, enquanto se faz madraça e com ela
depositamos a inércia que não é venal. Prometemos ao tempo o tempo inteiro que
for mestre na congeminação dos corpos. A janela protege do mundo que está lá
fora. Do mundo que for. Pois se às vezes ele se nos oferece generoso, outras
vezes é implacável. Por via das dúvidas, convocamos a janela e a sua função. Não
arriscamos perder a indulgência que uma das arestas do mundo se apresta a
legar; nos interstícios da manhã, somos imperadores da vontade e podemos
levá-la ao tirocínio do conhecimento. Quando queremos, abrimos a janela.
Deixamos um pedaço do mundo entrar e a manhã agiganta-se no intenso pulsar das
veias. Sabemos que o sol não demora, ainda ocultado pelo nevoeiro que persiste há
algum tempo. Mesmo que o nevoeiro teime pelo tempo fora, somos entidades
maiores para sobre ele adejar e depois beijarmos o sol que queremos. Não há
estorvos que se constituam paredes impossíveis. É material que se enquista na
inutilidade da matéria confessadamente inútil. Deixamos a manhã decantar as
impurezas. As impurezas que esbarram na janela protetora. E seguimos, por todas
as manhãs que se depõem nas nossas quentes mãos. Sabendo que a manhã procede de
nós, que somos seus curadores.
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