Lower Dens, “Maneater”, in https://www.youtube.com/watch?v=pDDwljn-OEY
Ter nas mãos o sal intenso que perfuma o ar dessa forma puro.
Deixar vir ao olhar apenas os lugares serenos que desipotecam o tempo algoz,
que dessa forma recupera lucidez. Marejar as palavras com gotas de ouro
vertidas na chuva temporã. Deixar o tempo ser o que é, até o verão extemporâneo
teimosamente metediço no tempo do outono. Beber o sumo de romãs que avivam o
outono. Edificar um trono onde não há lugar à presunção dos tronos, mas apenas
um observatório para as coisas que interessa decantar. Beber um copo de vinho
ao entardecer na companhia da pessoa certa. Sorrir com os dentes todos à
mostra, como quem prova não temer embaraços que não existem nem por intermédio
de fantasmas diligentemente povoando o sótão do pensamento. Ouvir os violinos,
enquanto os olhos fechados viajam por paisagens idílicas. Não esquecer a
cortesia quando um desconhecido aparece no caminho com uma interpelação. Desenhar
no céu claro um poema espontaneamente gerado, o dedo indicador a fazer as vezes
de caneta. Gastar os passos num caminho silvestre, entre as veredas escondidas
por arvoredo dessa forma desmatado e o caudal do rio selvagem que sussurra no
vale. Saber que há um largo mar onde o pensamento pode descansar, retomando as
linhas mestras entretanto desmaiadas. Meter o corpo pela noite fora na
companhia da insónia, ficar embebido no bulício a preceito, descaindo nos vícios
que são sua rima. Contar os anos todos e perceber que não foram se não um breve
pecúlio do que ainda falta usar. Perceber que as dúvidas metódicas são um
compasso feito para abraçar o mundo com a força toda. Não deixar as palavras
para trás. Suplantar os medos e os preconceitos e os sobressaltos (os que foram
e os que se adivinham) numa sofreguidão que não deixa intacto nenhum minuto que
vem ao regaço. Limpar o orvalho que embacia a janela e sentir as cores e os cheiros
lá fora, deixando o peito aberto para ser a inteireza que se ambiciona. E erguer,
num movimento firme e sentido, o copo cheio de vinho, brindando por tudo isto e
por tudo o mais que venha a ser.
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