21.10.16

Incentivo ao voto

CocoRosie, “We Are on Fire”, in https://www.youtube.com/watch?v=KwZx-udWuxI
Dizem que é um mito urbano (mas outros confirmam que está por cima de qualquer mito): os artistas são extravagantes. Os mais extravagantes. Quanto mais fama, maior a irreverência e as extravagâncias. Faz sentido. São – se assim se pode formular – “escolhidos”. Pelo menos, escolhidos por um público numeroso, a franquia para a notoriedade destes artistas. Como são um escol, têm de pautar a vida por parâmetros heterodoxos. Os exemplos são a rodos.
Um exemplo fresco: Madonna prometeu sexo oral a quem votar em Hillary Clinton nas eleições presidenciais dos Estados Unidos. Sendo certo que os estrategas do marketing político, e em especial os que arquitetam o marketing eleitoral, procuram fórmulas inventivas para captar o voto do eleitor, julgo que é a primeira vez que uma figura pública aceita pôr-se ao serviço de uma campanha eleitoral com tanto – como dizê-lo? – desembaraço, desprendimento e generosidade.
Ao ler o que Madonna prometeu, fui assaltado por várias dúvidas que deviam ser endossadas à artista. Primeira: a oferta tem prazo de validade? Segunda: como se comprova o direito à oferta: através de fotografia do boletim de voto provando a escolha “acertada”, ou chega a confiança na palavra do eleitor candidato às delícias oferecidas? Terceira: como se define a validade subjetiva da oferta: é só para eleitores que, confrontados com a voluptuosa oferta, mudaram o sentido de voto, ou também é válido até para quem nunca teve dúvidas em votar na senhora Clinton? Quarta: como será concretizada a oferta: um número máximo de atos por dia? Um sorteio entre os candidatos, pois não se antevê como poderá a artista dar seguimento a tantos potenciais milhões de votantes da senhora Clinton? E, neste calendário de delícias carnais, será estabelecido um tempo máximo para a concretização dos prazeres (sob pena de a artista ter de trabalhar vinte e quatro horas por dia, o que podia configurar escravidão sexual)?
Se a moda pegar de estaca, a cartografia das eleições pode sofrer uma revolução. Se a senhora Clinton for eleita, não se livra do patético rival se lembrar de impugnar as eleições com o argumento da batota induzida por Madonna. (E, uma vez mais, não se livra do estigma do fellatio – agora como foi dantes com o consorte, de quem poderá ser sucessora. Má sina!)
O que vale, é o poder simbólico da semântica. Se não, nem queremos imaginar o cansaço geral da dona Madonna.

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