Preoccupations, “Anxiety”, in https://www.youtube.com/watch?v=csMbqrFT1dM
Um choque de titãs:
duas bestuntas personagens marcam encontro e trocam condecorações. Em rigor,
não trocam nada: atiram ao rosto um do outro as condecorações que ostentam num
qualquer domínio, sempre com o propósito de um subir um degrau mais alto e se
ufanar da imperial posição.
Os bestuntos contam espingardas.
Os países que visitaram, os filmes vistos, as namoradas conquistadas, as
proezas desportivas, os troféus de caça, os concertos a que foram, o tempo recorde
em que fizeram Porto-Lisboa, as bebedeiras que apanharam (e as façanhas consecutivas).
Um deles puxa um assunto. Exibe, com indisfarçável garbo, as medalhas à lapela,
sabendo que o outro riposta. Invariavelmente, em resposta, as proezas do rival
levam-no a púlpito mais elevado. O primeiro contesta. Haverá sempre um detalhe
que faz a diferença, como quem tem de impugnar a façanha reclamada pelo outro
por uma conjugação de circunstâncias que impede a comparação estrita das
espingardas em contagem.
Se o concurso pueril
tivesse um observador exterior, dar-se-ia o caso de o observador se interrogar
onde termina a verdade e começa a mentira, ao ser confrontado com o rol de
proezas de cada rival esbofeteia no outro. Poder-se-ia dar o caso – e a
utilização do verbo no condicional não é um acaso: porventura seria tarefa
impossível convencer uma alma a servir de observador em pleito tão
inconsequente. Ninguém teria paciência para os jogos florais dos dois
bestuntos. Admitindo que houvesse quem por este mister se sacrificasse,
depressa começaria a lavrar vários pontos de interrogação que fruíam à medida
que as heroicas façanhas se desenovelavam.
Até que, num cenário
ainda mais hipotético, fosse possível ligar os bestuntos rivais a um imaginário
detetor de mentiras e se consagrasse a mitomania irremediável de ambos. Ficaria
uma tarefa por arrematar, em exercício final do curador do pleito inútil: extrair
certidão que determinasse qual dos dois leva a palma na arte da mentira e do
exagero das proezas. Neste particular concurso, o mais importante de todos,
nenhum dos bestuntos gostaria de ser declarado vencedor.
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