12.10.16

O adeus dos vícios


Bed Legs, “Vicious”, in https://www.youtube.com/watch?v=2cTqrPV1hvc
Havia vícios que o atormentavam. Vícios inconfessáveis. Incineravam as veias, fervendo o sangue até se exaurir o sono mercê das dores que não conseguia endossar para fora de si. Ou então, podia apenas a sua formatação estar viciada: uma formatação equívoca, que tomava por nocivos pressupostos tidos como axiais.
Fosse como fosse, tinha tomado uma resolução por cima de tudo: deixaria os vícios. Qualquer que fosse o custo. Admitia que não era tarefa fácil. Havia vícios que o sitiavam, tomando de assalto as teias por onde se tecia a vontade. Nem que fosse como desafio, levaria a empreitada por diante. Desfazer-se-ia, um atrás do outro, dos vícios que eram hipoteca por onde se faziam as consumições. Também admitia que era povoado por dois hemisférios. Um, irracional e espontâneo, perseguindo os instintos, talvez apenas hedonista, cativo dos vícios em que habitava. O outro, tornando-se visível depois do arrefecimento dos êxtases, como caução dos arrependimentos. Às vezes, o arrependimento era ato contínuo ao vício acabado de adestrar. Era esta dicotomia de identidades que o sobressaltava. Não podia continuar refém desta divisão hermética.
Tinha de fazer uma opção. Terá optado pelo mais difícil – argumentava o senso comum. Pois os vícios irredimíveis são uma parede inclinada, difícil de transpor. Mas o senso comum é um ardil. A opção mais difícil era manter as dores interiores que o apoquentavam logo a seguir a cada vício repetido. Como não via modos de silenciar as vozes interiores que sussurravam a cada canto da consciência os erros repetidos, a opção mais fácil era a emancipação dos vícios.
Saltando para a frente no tempo, deitou o olhar pelo retrovisor que repescava o pedaço de tempo entretanto ocorrido. Estava orgulhoso. Um após outro, conseguira-se livrar de todos os vícios. E, todavia, não se sentia confortável por dentro do novo eu que o ocupava. Já não estava sitiado pelas duas metades em que medrava um conflito interior insanável. O problema era o vazio interior que dele tomou conta. Não o sabia explicar. A não ser que fosse por sentir falta dos vícios. Ou que, talvez, os vícios estivessem embebidos numa carga negativa por causa do olhar reprovador com que eram sancionados desde o exterior. E que, fora desse olhar exterior, talvez não pudessem ser tidos como vícios.
Agora, com o embaraço de um novo dilema, não encontrava resposta para o resolver.

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