Bed Legs, “Vicious”, in https://www.youtube.com/watch?v=2cTqrPV1hvc
Havia vícios que o atormentavam. Vícios inconfessáveis. Incineravam
as veias, fervendo o sangue até se exaurir o sono mercê das dores que não
conseguia endossar para fora de si. Ou então, podia apenas a sua formatação
estar viciada: uma formatação equívoca, que tomava por nocivos pressupostos
tidos como axiais.
Fosse como fosse, tinha tomado uma resolução por cima de
tudo: deixaria os vícios. Qualquer que fosse o custo. Admitia que não era
tarefa fácil. Havia vícios que o sitiavam, tomando de assalto as teias por onde
se tecia a vontade. Nem que fosse como desafio, levaria a empreitada por
diante. Desfazer-se-ia, um atrás do outro, dos vícios que eram hipoteca por
onde se faziam as consumições. Também admitia que era povoado por dois hemisférios.
Um, irracional e espontâneo, perseguindo os instintos, talvez apenas hedonista,
cativo dos vícios em que habitava. O outro, tornando-se visível depois do
arrefecimento dos êxtases, como caução dos arrependimentos. Às vezes, o
arrependimento era ato contínuo ao vício acabado de adestrar. Era esta
dicotomia de identidades que o sobressaltava. Não podia continuar refém desta
divisão hermética.
Tinha de fazer uma opção. Terá optado pelo mais difícil –
argumentava o senso comum. Pois os vícios irredimíveis são uma parede
inclinada, difícil de transpor. Mas o senso comum é um ardil. A opção mais difícil
era manter as dores interiores que o apoquentavam logo a seguir a cada vício
repetido. Como não via modos de silenciar as vozes interiores que sussurravam a
cada canto da consciência os erros repetidos, a opção mais fácil era a
emancipação dos vícios.
Saltando para a frente no tempo, deitou o olhar pelo
retrovisor que repescava o pedaço de tempo entretanto ocorrido. Estava orgulhoso.
Um após outro, conseguira-se livrar de todos os vícios. E, todavia, não se
sentia confortável por dentro do novo eu que o ocupava. Já não estava sitiado pelas
duas metades em que medrava um conflito interior insanável. O problema era o
vazio interior que dele tomou conta. Não o sabia explicar. A não ser que fosse por
sentir falta dos vícios. Ou que, talvez, os vícios estivessem embebidos numa
carga negativa por causa do olhar reprovador com que eram sancionados desde o
exterior. E que, fora desse olhar exterior, talvez não pudessem ser tidos como
vícios.
Agora, com o embaraço de um novo dilema, não encontrava
resposta para o resolver.
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