Pixies, “Velouria”, in https://www.youtube.com/watch?v=nc0Mv4Iyxvc
Há um pedaço de terra no meio de Copenhaga que dantes
(anos setenta do século XX), no seu apogeu, esteve fora de tudo: Christiania. Era
como se nesse pedaço de terra se tivesse ausentado a autoridade que é o húmus
do Estado. Por vontade dos residentes, não se aplicavam as regras que proíbem e
não se cansam de proibir. Até 2004, as drogas eram transacionadas sem que ninguém
temesse pela sua liberdade. As pessoas viviam em comunidade, tomando edifícios
como seus, impondo como regra a ausência de regras. Era um pequeno pedaço de
terra onde se respirava anarquia.
A irreverência dos habitantes era o lastro das não
regras. Para outros, era a transgressão de se saberem não vigiados pelo
aparelho repressor do Estado. Outros, ainda, encontravam porto-seguro para as
suas (pela sociedade vigente assim consideradas) práticas viciosas. Para alguns,
era apenas a miragem da liberdade sem peias, o não terem de pautar a vida pelo emaranhado
novelo de regras e deveres sobre o comportamento.
Hoje, Christiana é sobretudo um atrativo turístico. Há uma
comunidade residente embebida na idiossincrasia de Christiana. Misturados com
turistas, no típico mosaico cosmopolita de que é composta uma comunidade de
turistas em qualquer local que seja popular para o turismo. As drogas continuam
a ser transacionadas sem biombos. Os edifícios continuam pintados com os
motivos hippies de outrora. É raro o estabelecimento comercial (os residentes
de Christiana fizeram concessões ao capitalismo e dedicaram-se ao comércio) que
aceite pagamentos com cartões bancários (que, nesse aspeto, as concessões não
chegaram).
Mas da Christiania de hoje exala um perfume turístico
indisfarçável. Uma certa concessão ao capitalismo. O que explica outro aviso,
pintado em tamanho gigante em alguns edifícios, que proíbe os turistas de
captarem em fotografias a sua digressão por Christiania. A Christiania de hoje
tem a ousadia de proibir; uma (talvez) heresia para a Christiania de outrora.
Ao sair do território de Christiana, depois de passar por um lugar onde se pode
tirar uma fotografia tendo por pano de fundo as várias espécies de haxixe à
venda, um portal avisa que o visitante vai entrar na União Europeia.
Não me pareceu critério certo para deixar o visitante nas
mãos da imaginação, sem outro freio a não ser a imaginação (adestrada ou não
pelo haxixe que se vende sem biombos, já com cigarros fabricados a preceito).
Christiana é anacrónica. Lamentavelmente, que tempos conturbados como este não
tributam grande mérito à liberdade. A transgressão acontece dentro das
fronteiras de onde as autoridades a querem banir. Já não é preciso ir a
Christiana(s) para encontrar, ou praticar, a transgressão sem castigo.
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