Dead Combo, “Putos a Roubar
Maçãs”, in https://www.youtube.com/watch?v=SSIEIcgjCJE
De um lugar madrasto, de onde sobejam memórias mortiças
que não interessa avivar. Dele, não quero levar nada comigo, a não ser o vento.
E, todavia, é um lugar luminoso, de onde irradia um sorriso inspirador, com as
suas colinas sucessivas desafeiçoando a rotina, os emproados jardins que
convidam ao repouso, um lugar onde a luz viceja mais nítida, onde o rio abre os
braços como se ele se despojasse a contemplar o lugar quando nele fundeia.
Não levo nada deste lugar. A não ser o vento que me
enche as mãos quando sei que deste lugar me ausento. Uma pulsão indomável lança
o pensamento contra o lugar, como se o renegasse. O lugar não merece. Às vezes,
somos a irremediável solução que hipoteca um lugar. Quem não se inibe de
regressar ao lugar que ficou hipotecado pela desdita?
Por isso, prefiro levar o vento que trago desta cidade. O
vento é imaterial. Assim não vejo a cidade através dos poros do vento que a
deixa sitiada e do cerco que me deixa sem sangue. Não sinto as pedras
irregulares da calçada, nem o calor que abraseia o corpo, nem as largas
avenidas que emprestam um naco de Europa à cidade. Quero apenas saber que este
lugar existe. E que ele não me titula, nem se congemina habitação. Talvez
cometa uma tremenda injustiça. Ao lugar não cabe a culpa. As imensas e
singulares belezas deveriam bastar para lhe subtrair os fragmentos de fealdade.
Estes (há que dizê-lo) gravitam na minha órbita. O problema não é o do lugar com
tantos sortilégios. Não consigo remediar os rostos feios do lugar quando dele
precisei. Não consigo esquecer.
Porventura, o lugar merecia perdão. Não sendo asceta, e
sendo refém das sinuosas estradas por se entretecem as memórias, não me foram
conferidas as faculdades do perdão. Quem mais perde com a troca, sou eu. A
cidade continua a ter o vento, e o resto, indiferente aos predicamentos
irrelevantes. Talvez um dia, depois de esquecer entre os dedos a cor do vento
que trago da cidade, saiba senti-la como dantes. Como merece ser sentida.
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