Bauhaus, “All We Ever
Wanted Was Everything”, in https://www.youtube.com/watch?v=qPNa9KD4Y_k
#2 – Não sei se arrisco tema sensível para a conversa.
#3 – Qual seja?
#2 – Que epitáfio gostariam que enfeitasse os vossos túmulos?
#1 – ... de facto, desconfortável conversa.
#3 – Mas não podemos fugir dele.
#1 – Dele, assunto? Ou da morte?
#3 – Da morte ninguém foge. Se o assunto for desconfortável,
podes ficar à margem da conversa. Assistes, como testemunha. Ou, se nem esse
for o caso, podes ir para outro lugar.
#2 – Entendo que o tema é do interesse do #3.
#3 – Curiosidade intelectual. Se calhar tenho tanto medo
da morte como o #1.
#1 – Não parece...
#2 – Deixemos a ontologia de parte e vamos à conversa
que propus.
#3 – Eu atalho caminho. Gostava que no meu epitáfio se
fizesse constar que sou endemoninhado, poeta fracassado, bêbado incorrigível,
que fui homem de muitos amores (e de muitos incorrespondidos), um indivíduo com
uma certa faceta circense.
#1 – Não serias, nesse caso, pródigo em elogios.
#2 – Mas um epitáfio não tem de corresponder a um
elogio. Sobretudo se tiver a autoria do próprio que, em antecedência da morte,
lavra por escrito o seu desejo. Vejo-me desconfortável na hora do autoelogio...
#1 – Talvez por isso prefiro deixar o meu epitáfio aos
mais próximos. São eles que trazem de mim a melhor imagem.
#2 – Não consegues esboçar umas palavras, sequer? Não te
consegues colocar na posição dos supostos próximos a quem pedirias que
redigissem o teu epitáfio?
#1 – Não...não consigo. Era como se me pedisses para
sair de mim mesmo e me olhasse de fora de mim. É um exercício impossível.
#3 – Podia pensar num epitáfio alternativo, que fosse
menos provocatório. Algo que soasse assim: “#3,
homem inteiro, incorruptível, nunca largou de mão um amigo e fez a vida negra a
umas quantas mulheres”.
#2 – Não parece que estejas a levar a sério a
empreitada...E também levas muito a sério os que te acusam de misoginia.
#3 – Essa agora! Para meu epitáfio, que fique registado
(e daqui para memória futura), serei seu exclusivo autor. Em resposta, digo-te
que não há ninguém que me leve mais a sério do que eu mesmo. Mesmo que pretenda
ser o primeiro palhaço da minha companhia privativa.
#1 – Se pensar um pouco...talvez consiga. Hum...diria
que fui timoneiro de mim mesmo, honesto, clarividente, prudente.
#3 – Só faltas tu, #2, que lançaste o repto e ainda nada
alvitraste como epitáfio.
#2 – Gostava que ficasse escrito, em pedra tumular
rosada, o seguinte: “#2, homem sem meias
palavras, corajoso e ao mesmo tempo hesitante, homem que não se fica pela
metade e ao mesmo tempo timorato, cortês e ao mesmo tempo irascível, que hoje
gostou de uma coisa e ontem de outra diferente e amanhã, seguramente, gostaria
de uma terceira diferente das duas anteriores.”
#1 – Julgo que estamos a abusar da retórica. Um epitáfio
pretende-se breve de palavras.
#2 – Eis o meu: “descobri
o sol por entre nuvens plúmbeas”.
#3 – E o meu: “juntei
o chão num palco habitável”.
#1 – O meu seria: “não
soube chorar as lágrimas que seriam minha salvação”.
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