Mexican Institute of Sound,
“El Microfono”, in https://www.youtube.com/watch?v=f3z81DxFt0I
A fuga da vertigem do quotidiano, do cerco dos outros,
dos altos edifícios que amuralham a vontade. Uma vez constituído foragido, em
pose oficial, metendo os parcos haveres (ou os que interessam levar), pôs-se a
caminho de um exílio não forçado; mal poderia, em homenagem à intelectual honestidade,
considerar forçado o exílio, pois ninguém tem culpa das desavenças com o mundo
que o estiola. Não guarda remorsos contra esse mundo. Talvez, se fosse o caso,
pudesse indagar por dentro de si o que motivaria o pessoal remorso, mas a
empreitada teria de desaguar numa sucessão de interrogações sem convincentes
respostas. Os pés ao caminho, pois, para o longínquo fado contratado pela
antinomia de si com o resto.
Num lugar ermo, quase inacessível a não ser a quem
esteja devidamente cultivado no preparo físico, achou lugar que podia ser refúgio
desejado. Frondoso, o lugar. Num promontório escondido por luxuriante vegetação
a encimá-la. A um canto, uma reentrância numa rocha sugeria uma toca. Podia firmar
residência na toca, escondendo-se de tudo o que representava a pungente convivência
com o mundo para o qual estava impreparado. Teria de ser eremita.
Não contou que a toca fosse o lugar onde um lobo solitário,
habitante de longa data do lugar, se refugiava no inverno. Um dia, já a
invernia silvava entre golfadas de vento iracundo e frio, o lobo meteu-se na
toca e deu de caras com o eremita. Ficaram paralisados. Não se percebeu se era
medo, ou apenas recíproca análise. Não souberam, naqueles instantes, discernir
se o outro era inimigo condenado à derrota, ou se teriam de acordar uma forma
de coabitação. O homem não quis fazer movimentos hostis, nem que fosse para se
precatar de uma investida do lobo. O lobo mantinha a pose desconfiada. O instinto
assim ordenava, que a espécie humana não é de confiar. Continuaram com o olhar
reciprocamente fixo.
A toca alargava-se no interior, depois da apertada
entrada onde o homem mal cabia. O lobo olhou à volta, sem nunca perder a
atalaia no homem que não sabia eremita. Lentamente, moveu-se para o lado contrário
do homem. Este seguiu-o, meticulosamente estudando o comportamento. O lobo aninhou-se
a um canto da toca onde não havia humidade. Suficientemente distante do homem
para reagir a um ataque deste. Hibernou para o inverno, com a cautela de um
olho entreaberto que mantinha a vigia ao eremita. Este queria manter a paz
interior que encontrara no lugar ermo. O lobo podia ser companhia amiga.
Quando a desconfiança foi saneada, o homem procurou
calor junto do lobo. A medo, afagou-o, perante o olhar ainda desconfiado do
animal. O lobo descobriu o prazer de um afago. Encontraram um equilíbrio. Na dura
invernia, foram companhia mútua. Quando o inverno estivesse de partida, logo se
haveria de ver o destino da amizade entre o lobo e o eremita.
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