We
Are Enfant Terrible, “Filthy Love”, in https://www.youtube.com/watch?v=nwOkdAHBGGU
Arranjem-me as ferramentas da desinteligência. Arranjem-me
os artefactos precisos para ser ausência quando importa ser ausência. E os critérios
metódicos para intuir quando é preciso ser ausência, pois em casos desses é
preferível a hibernação.
Arranjem-me alguma ininteligibilidade que sirva de
anestesia circunstancial. Arranjem-me uma bola de cristal de vidro fumado, impossível
que seja vê-la de fora para dentro. Deixem-me com as pontualidades excessivas que
desembaraçam um novelo que não precisa de ser desembaraçado. Deixem-me
emaranhado nas contradições, que preciso de contradições para fugir dos cânones
exemplares que ensinam a sermos alguém no seio de um grupo. Guardem-me um
pedaço do mundo como ele está, impreciso e talhado para os prantos dos
ilusionistas do otimismo, pois esse é o lugar que habitamos.
Sopesem os grãos que vêm das veias para saberem se caibo
dentro de um merecimento qualquer. (Não que tamanha empreitada seja disrupção do
sono.) Arranjem-me lençóis macios para deitar o sono pouco. Arranjem-me um
logradouro de onde estimo as profecias risíveis. Arranjem-me um cais para
sentir o peso da solidão quando, lá fora, andarilhos proficientes de teorias
inabaláveis fazem profissão de fé e não admitem contestação. Arranjem-me, ato
contínuo, um castelo abrigado para sentir o amor aveludado, indiferente ao
demais, que o demais não merece ser testemunha de um amor tamanho.
Arranjem-me roupas poucas só para esconder a nudez e me abrigar
do frio. Arranjem-me um módico de qualquer coisa, que dispenso a exuberância da
abundância. Arranjem-me uma centelha de filosofia para ajudar a pensar. Situem-me
num mapa a tempo de orquestrar as courelas de onde se consagra uma fertilidade.
E não se desaproveitem os coros sibilinos, os gatos ronronantes, o mar
espelhado ao entardecer, um copo de vinho que reconfigura os néctares, as
flores campestres em coreografia jubilosa, os anciãos apalavrados, uma torrente
imparável de palavras (mesmo que não tenham significado transcendente, a não
ser o rompimento do silêncio), a astronomia que decifra o mapa superior que nos
tem como tapete.
Arranjem-me feitio que desfaça o desfeitio em que me
desfaço.
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