Entras numa rua movimentada, da cidade frenética, e vês
um mar de cabeças à tua frente. Se olhares para trás, vês outro mar de cabeças.
Gente que anda pela rua fora, apressadamente, sem notar os rostos das pessoas
que vêm de frente, ou como seguem vestidas, ou se vão alegres ou tristes, ou que
constelação de estados de espírito nelas se encerram.
Entras na rua movimentada e percebes que és um pequeno grão
numa engrenagem complexa. Por um momento, pressentes que não és ninguém – ou que
o teu eu vale muito pouco na vastidão de gente que perfaz o mar onde imergiste.
Talvez não seja assim. A riqueza de cada pessoa não pode ser contestada. Por este
prisma, dirias que aquela rua movimentada e apinhada de gente é um tesouro. Milhares
de almas juntas num espaço exíguo, um somatório de individuais tesouros que totaliza
um património incalculável. Não é isso que te interessa (ou incomoda). Sentes que
o mar de gente não é um mar que caia à medida da tua mão. Sentes que há pouco
espaço para moveres o corpo. As imediações do teu espaço estão tomadas por
corpos de gente anónima com que te cruzas. Corpos estranhos. A rua movimentada
e cheia de gente é claustrofóbica. Com o ar rarefeito, tanta a gente num espaço
exíguo a partilhá-lo.
E, todavia, verificas que a tanta gente por que passas é
uma outra forma de tesouro: as raças diferentes, as cores diferentes, e – aqui deitas-te
a adivinhar, com reduzido risco de erro – os credos diferentes, as
idiossincrasias diferentes, as pessoais preferências sobre uma plêiade de
coisas que se possa imaginar; intuis a riqueza que floresce de um punhado de
almas acantonadas no espaço mediado pela rua movimentada, a riqueza almejada
pela diferença. A multidão apascenta essa riqueza. Como se através da rua
movimentada o pensamento planasse pelo atlas inteiro à velocidade supersónica
com que passam pessoas tão diferentes em redor.
Afinal, uma multidão não é medonha.
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