TaxiWars,
“Death Ride Through Wet Snow”, in https://www.youtube.com/watch?v=pX2xpcv-XLU
Dizem: somos a fragilidade de uma mentira. A fragilidade
de uma mentira que monta no fingimento de sermos o que não somos. Também dizem,
em jeito apaziguador que arrefece más paridas consciências, que todos somos um
quinhão de fingimento. Numa teia que se desmultiplica em fingimentos em
cascata, até deixarmos de saber onde termina o que se pode considerar “eu” e
começa o “eu” fingido.
Quantas vezes sorrimos quando não apetece? Quantas vezes
somos corteses quando o mais que apetece é insultar? Quantas vezes fazemos de
conta que alguém é tolerável, quando o que mais apetece é povoar outro lugar? Quantas
vezes estendemos a mão a alguém que apetecia largar de um precipício? E, ao ser
tudo isto, quantas vezes omitimos o “eu” que há em nós e damos lugar a um ator
em sua substituição? Há uma pergunta sacramental em ebulição: por que fazemos
de conta se nada nos impõe o ardil – e se o ardil praticado pode ser ultraje ao
“eu” que é legitimamente “eu”? Serão as circunstâncias. Ou o palco montado. Ou a
vontade de não ser boçal. Ou uma ténue estimativa da serventia (não no sentido
oportunista da palavra) dos outros.
No fim de contas, fingimos e mentimos. Ou mentimos e
fingimos. A ordem é arbitrária, ao tirar as medidas aos seus efeitos. Os mais
pragmáticos, os que cuidaram de observar o fenómeno e conseguiram embebê-lo
numa leitura prática que dissolve as dores de consciência do ardil de si mesmo,
sublinham o estado de necessidade: se olharmos à nossa volta, quantos são os
que não metem os pés pelo fingimento? Tudo depende do grau, da quantidade de
vezes em que o fingimento se sobrepõe ao resto – ou, em sendo assíduo o
fingimento, ao ponto de já não ser possível separar um certo “eu” genuíno do “eu”
fingido, este a tornar-se a personificação que vem à tona. Ao ponto de já não
se saber se o fingimento é apedrejado ou se passou a ser o estatuto da
normalidade.
Sem talvez se saber, habita um notável ator um por
intermédio dos pergaminhos de fingimento. E, através do fingimento assim
consagrado, uma parte da mentira liberta-se da sua feição pestífera. Para os
que ainda naufragam nestas dores, experimentem fazer de conta que fazem de
conta. Pode ser que o fingimento se dobre sobre si mesmo e regressem a um certo
estado original. (Ou pode ser que cavalguem mais fundo na onda do fingimento,
com uma mentira ao quadrado.)
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