20.12.16

Palavras lavadas

BADBADNOTGOOD, “Time Moves Slow”, in https://www.youtube.com/watch?v=hgPQ2J_uM3A
Postulam-se novidades no pé de microfone: algumas palavras desejar-se-iam proscritas, por serem uma servidão e, desse modo, não terem serventia. Palavras meãs, acabrunhadas, sorumbáticas, melancólicas (no que a melancolia traz de gratuito a tiracolo). Palavras sem cor, estremunhadas, estremecidas, timoratas, ardilosamente campeãs de campeonato nenhum. Palavras impossíveis de pertencerem a um poema.
Todas essas palavras deviam ser atiradas para dentro de uma gigantesca tina onde uma solução aquosa com diluente trataria de as dissolver do vocabulário. Para confirmar se a sua dissolução absolveria a alma das más frequências que elas caucionam. Era como se uma nova semântica fosse inaugurada. Desfeitas as palavras vãs, aquelas que andam de braço dado com os instintos desperdiçáveis, os espíritos serpenteantes, as ondas que navegam no dorso de cavalos desembestados, talvez todos os maus sentidos fossem banidos do mapa. E que, através das palavras lavadas, a semântica reinventada pudesse ser a cancela aberta para um olhar diferente, ou uma janela aberta que dantes estava encerrada a sete pregos escondendo um bucolismo anónimo.
Palavras vãs, numa amostra das que se proporiam à extinção: antologia. Negrume. Ingratidão. Queixume. Arrependimento. Mentira. Vaidade. Capitulação. Erudito. Pesporrência. Você. Chinelo. Calmante. Fingimento. Lágrima. Pesar. Prece. Roubo.
Depois da monda na floresta de palavras, sobrariam as demais, sobrariam lavadas. Como se a extática heurística arrematasse uma renovação por dentro entre as pedras das montanhas ermas. Talvez fosse necessário arrancar páginas com veemência, para não sobrarem vestígios das palavras depostas. Para termos a certeza que só haveria lugar às palavras lavadas e à frondosa paisagem que se abria de par em par à frente de uns olhos já não marejados.
Até que chegasse o comboio prometido pelas divindades sem rosto e a nova semântica restaurasse as bainhas do ser, com novos azimutes para pernoitar, novas páginas alvas para depositar as palavras demandadas. Deitando fora as páginas de antanho, por vício de inutilidade, e tudo começasse de um caderno novo, em branco, à espera – ansiosamente à espera – das palavras lavadas e do seu rosto remoçado.

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