23.12.16

Sine qua non

Angel Olsen, “Sister”, in https://www.youtube.com/watch?v=-mIA1r2ZELU
A prova da fragilidade masculina (contrariando obnóxias posições marialvas que afirmam a superioridade dos homens): em chegando a velhos, quando a consorte se despede da vida em primeiro lugar, não demora que o consorte a siga. Não é arriscado ensaiar a generalização, tantos os casos conhecidos que reproduzem aquele arquétipo. Como se os homens idosos percam a razão de viver. Como se eles não consigam suportar a dolorosa ausência, enredando-se no estertor da solidão que, em breve, corta pela raiz a razão de existir. Parece que são despojados de uma parte de si mesmos, tão entranhada a consorte perdida.
Dirão os céticos que o idoso perde a razão de ser porque perdeu quem lhe acautelava o sustento diário, as tarefas essenciais que o atavismo teima em perpetuar (às mulheres, as lidas domésticas, tornando os homens impreparados para a função). O homem sem o seu esteio na casa sentir-se-á dentro dela como um estranho – será a ilação desta visão cética. Discordo. Por mais que insistam no oportunismo diletante dos homens sem razão para continuarem a viver na exata medida da perda que sofreram, vejo na pungente perda a imagem perfeita do amor. Pois um amor só faz sentido se não for vivido no singular (descontando os casos de incorrigível narcisismo).
A repetição de casos em que o idoso depressa gasta o sentido da vida pouco tempo depois do funeral da consorte, é a imagem viva de como duas pessoas conseguem intuir-se partes de um mesmo. Não alinho na ideia, banalizada pelos céticos, que aponta para a habituação de uma ao outro (como alicerce da falaz impressão de que parecem ser um só). As pessoas continuam a ter vontade própria. A minha visão antropologicamente otimista (nem que seja por exceção à regra, ao menos neste caso) chama à colação o império da vontade e a propensão para as pessoas não persistirem no que lhes é adverso.
Por isso, as comoventes histórias de um homem que deixa de ser válido para a vida ao sentir a dor da irreparável perda da sua amada. E, por isso também, a destruição do mito da superioridade masculina. Nós é que somos fracos; mas docemente fracos, ao darmos o flanco à irrelevância da existência quando a consorte de tantos anos pereceu antes do tempo (que é o mesmo que dizer: antes de ser o homem a tomar-lhe a dianteira).

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