Front 242, “Headhunter”, in
https://www.youtube.com/watch?v=m1cRGVaJF7Y
Na base de um vulcão, com as chaves escondidas no bolso,
a caminho de uma fortuna inaudita. Sem contar a ninguém. Guardando só para si o
segredo que ciciava para não se esquecer das coordenadas. Poder-se-ia dizer que
tinha um tesouro nas mãos, ou quase. Só faltava encontrar a porta da entrada e decifrar
os lamentos de um coro de sacerdotes que estariam (de acordo com indicações
superiores) preparados para tornar difícil a tarefa.
No mapa constavam as instruções (mais do que um caminho acertado
para chegar à fortuna). Era uma sequência que devia ser respeitada; falhasse um
passo que fosse e já não tinha remédio. Com a agravante de ter de memorizar a numerosa
lista de empreitadas que se seguiam umas às outras, numa ordem predeterminada. Tinha
prazo para arranjar uma mnemónica. Foi quando se lembrou de como elogiara os
atores que conseguem decorar trechos demorados de peças de teatro. Haveriam de
guardar um segredo para conseguirem memorizar partes tão extensas de texto. Ele
também teria de o tentar. Oxalá valesse a pena o tesouro prometido. Já que
tinha sido acometido pela maleita hodierna que deixa as pessoas sitiadas pelos
bens materiais, levaria até ao fim a caça ao tesouro.
Tempo depois, julgando-se capaz para recordar os passos encadeados
uns nos outros, lançou-se à aventura. Assim como assim, não havia castigo
cominado caso a memória falhasse e não cumprisse escrupulosamente a lista de
tarefas antes de ficar no beiral da fortuna prometida. Não falhou uma só
palavra. Deu consigo num umbral luxuoso, quase gongórico. De acordo com a lista
de instruções, era a porta de entrada para o tesouro. Apareceu – como previsto –
o coro de sacerdotes que cantava seus pesares. Os sacerdotes puseram-se à
frente da porta da entrada. Dos sacerdotes se esperava que travassem a entrada de
estranhos na porta da entrada. Não teve de se debater com os sacerdotes. Ao mínimo
toque, os sacerdotes senescentes dissolviam-se em finas partículas incolores.
Franqueou a porta da entrada. Via o vulcão por dentro, o
magma efervescente a contorcer-se em gorjeios medonhos. Estava um calor
insuportável. Nas paredes inclinadas do vulcão, pequenos operários devidamente
equipados pareciam trabalhar na reparação da vereda que ia sendo causticada
pela combinação de vapores tóxicos e de calor. Olhou em redor. Não viu mais
instruções. Puxou pela memória, evocando uma a uma as instruções que constavam
da mnemónica. Podia ser que nas entrelinhas encontrasse mais pistas para o
tesouro. Foi em vão.
Ficou a contemplar a paisagem sulfurosa por dentro do vulcão.
Afinal, talvez fosse esse o tesouro: nenhum homem se podia orgulhar de ter
estado por dentro de um vulcão.
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