Mogwai, “After the Flood”,
in https://www.youtube.com/watch?v=Y1FhT9UJ21s&spfreload=5
Às vezes, o esteta tinha vergonha de cultivar o belo. Pois
o belo era apostrofado nestes tempos de imperativos categóricos que destroem
categorias dantes exaltadas. Ficava mal, para tais imperativos categóricos,
fazer a exaltação do belo; porque, logo de seguida, os seus apóstolos invocavam
a segregação da fealdade como um ultraje à igualdade (sendo a igualdade à prova
de contestação).
Eram tantas as manifestações da arte em que o feio era
sublimado como o novo e mais democrático belo, que o esteta se sentia acanhado
por continuar a nutrir admiração pelo belo (o belo-belo). Já sem contar com uma
casta de advogados da moral campeã, para os quais a beleza exaltada apenas
dizia respeito às coisas e à sua exterioridade, quando – protestavam – a beleza
que conta é a que nidifica nas grutas que há por dentro das pessoas. O esteta queria
discordar, mas não ousava. Nos seus pensamentos, interrogava-se como era possível
aferir o belo do interior das pessoas se tal domínio percorre meandros insondáveis.
Para além destas elucubrações, o esteta persistia em
exaltar o belo. Em segredo. Sem o contar a não ser a uns pares que conhecia e
que tinham a mesma admiração pelo belo. Como o desmentir: havia coisas,
lugares, obras de arte, pessoas que eram uma exibição viva do belo; teriam de
ser banidas da pública exaltação só porque um modismo, vagamente moralista,
engavetou o belo nas categorias despromovidas?
O esteta não capitulava. Tinha uma mágoa, porém: ao ver
a sua liberdade cerceada, por não convir em público tecer loas ao belo,
sentia-se amordaçado. Não admitia que os que se opunham aos estetas impusessem
o seu império deste modo. Primeiro, era um ultraje à liberdade de expressão (que
ele considerava uma das mais sublimes manifestações do belo-belo). Segundo, a
repressão do belo como ostensiva defesa do seu oposto não resolvia nada. A páginas
tantas, em honra da discriminação que intui uma correção de anteriores
discriminações, a fealdade estava a ocupar o lugar dantes possuído pelo belo. Com
uma liturgia não diferente, a não ser no não desprezível detalhe da consagração
da fealdade como contraponto do que evocavam como o fascismo do belo (ou o belo
fascista).
O esteta, firme nas convicções, mas, ao mesmo tempo,
atento ao meio, tinha um dilema. Não queria – não podia – capitular na exaltação
do belo. Mas também não podia – não queria – ofender para além da medida certa
os apóstolos da fealdade entronizada em novo belo. Decidiu que teria de limitar
a medida da contemplação do belo. Passou-se a apresentar, doravante, como esteta
remediado.
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