Car
Seat Headrest, “Vincent”, in https://www.youtube.com/watch?v=bEsItsZphwQ
Terçavam-se as armas
em constante reboliço interior. Os olhos seguiam o desenho das nuvens, empurradas
por um vento nada gentil que se exilava a norte, sinal da invernia com prazo
prometido. Podia estar vestido com roupa frugal para o frio que fazia, mas não
se intimidava. Os olhos insistentes esquadrinhavam as costas das nuvens,
procurando saber se havia estimativas confiáveis sobre o modo visível que
estava para chegar.
Eram dias de intempérie
que quadravam com os sobressaltos que faziam ferver as veias. As nuvens
dobravam-se sobre o dorso umas das outras à medida que tomavam conta do céu
dantes claro. Meteu na cabeça, naquele dia, que haveria de derrotar a serrania
que tinha a intempérie medonha por companhia. Nem os mais destemidos ousavam
meter-se ao caminho em condições daquelas. Nem isso o demovia.
Os montes estavam
impossíveis. Não via um palmo à sua frente. As nuvens tomaram leito entre os
alcantilados declives dos montes. Estava um vento terrível. Às vezes, era
difícil mover as pernas contra o muro de vento. Não capitulou, a teimosia por
mastro que ostentava uma brava bandeira da coragem – ao menos que fosse para
ter um módico de orgulho em si mesmo, desaprovando o timorato que se sentira
por tanto tempo. A montanha parecia não parar de subir; ou era apenas o muro de
vento que oferecia travão às pernas, fazendo crer que escalava uma montanha de
apreciável inclinação.
Quando atingiu o
cume, descansou uns minutos. Estava exausto. Encharcado até aos ossos. (De nada
valera o equipamento a preceito que, tinham assegurado na loja, era impermeável
até nas profundezas de um rio.) Continuava sem ver um metro à frente dos olhos.
As bátegas de chuva empurradas pelo vento impiedoso agrediam o que sobrava do
rosto à mostra. Tirou as luvas e sentiu as mãos ensopadas e macilentas. Agora
não podia voltar para trás. Tinha de prosseguir. Tinha de derrotar a descida da
montanha pela outra ladeira. Diziam ser a mais difícil de vencer. Não tinha
escolha. Se ficasse na cumeada à espera que a tempestade acabasse, seria vítima
da montanha. Tinha de se meter pela montanha abaixo, mesmo que a noite não
tardasse. Tinha que derrotar o cansaço que o prostrava. Ou era a morte pela
certa.
Umas horas depois,
como se tivesse passado nos interstícios de um demorado pesadelo, encontrou uma
casa-abrigo junto ao rio caudaloso. A noite acabara de tomar o seu lugar no
tempo. A bússola estava avariada; não sabia onde estava. Não interessava. A
perseverança (os mais próximos dir-lhe-iam, em tom de reprovação, ser apenas de
uma demencial teimosia) derrotou a montanha em condições que ninguém havia
tomado entre mãos.
Para celebrar a
proeza, batizou aquele lugar (o lugar onde se sentira resgatado da cruenta
montanha) o sul ao norte do próprio norte.
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