16.6.17

A comédia em ebulição


The Black Angels, “Bad Vibrations” (live on KEXP), in https://www.youtube.com/watch?v=c-VEcHM-UVY    
Conspiram os que se embaraçam perante a indulgência que lhes é oferecida e se atiram, mastins mal-humorados, contra as cores idílicas do mundo. A volumetria dos espaços e a contumácia dos desejos não deixa vestígios no elenco das dúvidas.
Um cortejo não fleumático amuralha as imediações e todos os quadrantes da rosa-dos-ventos ficam preenchidos com gente-aberração e proezas agigantadas. Uns meirinhos da moral enquistada são apanhados num bordel. Estazam desculpas, assim entrapadas: protestam a inocência e asseguram que estão em trabalho de campo. Dizem-no seguros de que a sua mentira será acolhida como prosa verdadeira. Uns polícias elogiados pela apreensão de almas fora de prazo são encontrados a vender substâncias ilícitas às escondidas. Entende-se, à posteriori, a abastança que exibiam.
Um padre notório, voz quase isolada no desassombro do ecumenismo, é descoberto numa reunião de radicais malfeitores que gritavam palavras de ordem contra os malditos radicais de uma religião professada à distância. Ao sacerdote não cai a máscara, persistindo inerte e de olhar soberbo, convocando o ecumenismo como medida acertada para travar os maliciosos de outras religiões que espalham o terror. Um político, também notório, é apanhado por um jornalista (de pública notoriedade) em escabrosas orgias que só admitem controversas práticas. Acordam um código de conduta composto por uma única regra: o silêncio.
Uma das bacantes, disfarçada da sua reconhecida personalidade (também pública), desfaz o acordo e denuncia, com fotografias ilustrativas, o escândalo. Não se importa de ser levada na fétida corrente do escândalo, ela própria intérprete de punitivas práticas nas fotografias reveladas. Especula-se sobre os proveitos materiais que vieram ao regaço da madame. Toda a gente está errada: ela cometeu o ato graciosamente, apenas pelo gosto (que vem de tenra idade) de semear a confusão e agitar os esteios que são escoramento ideal para uma sociedade pacificamente escarnecida.
Levanta-se um pé-de-vento e a sociedade sobressalta-se com insónias inderrogáveis. As pessoas estão agitadas. Perplexas. Desconfiadas umas das outras. Podres começam a vir ao de cima em sucessivas denúncias que fazem cair pessoas umas atrás das outras no palco do risível, como se fosse um castelo de cartas a sucumbir ao primeiro toque, ao toque devastador. Sente-se o caos a nidificar sem hipótese de retrocesso. Ninguém parece ter salvo-conduto contra o dedo erguido a vergastar o pálio da censura.
No final do exercício, todos descobrem que são párias. Não sobra ninguém para se sentar no papel de julgador. A sociedade salvou-se.

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