9.6.17

E em todos os mares por andar


St. Vincent, “I Prefer Your Love”, in https://www.youtube.com/watch?v=uZSCGeoVrZQ    

Não adiamos o tempo de que somos tutores. No miradouro de onde recolhemos os sedimentos de tudo nas mãos ávidas, falamos as palavras desejadas no propósito enternecedor. Nos dias compostos, com as férteis árvores por testemunhas, percorremos as ruas sem darmos conta, à conta da cumplicidade entretecida nos novelos que reservamos em segredo. Trazemos nas mãos as candeias que desfazem as trevas noturnas. Por dentro dessas candeias, a chama que emana dos poros, selando o amor maior que se ajuramenta em carruagens inteiras, todavia pequenas para o albergar na íntegra. Não se perde, contudo, no que for sobrante. Pois esse é um amor maior do que o mundo que o vê medrar. Sobrepõe-se a ele, configura-se seu penhor. As cartas jogadas no anteparo do sono, em poemas ditos com a voz precisa, são mantimento suficiente para o uníssono crescente. Não ostentamos as condecorações que nos são devidas. Não queremos. Mantemos sob reserva, pois os umbrais de onde se colhem estes frutos são impossíveis de trazer ao exterior. Somos a mina sem fundo de onde vertemos as águas férteis que vão aos solos infecundos com a fecundidade de que somos tutores. Não há tempo furtivo que escape à tutela de que somos capazes. Deixamos o tempo vir às mãos e já não o deixamos fugir. Fazemos com esse tempo o que quisermos, sem autorizações, sem prestar contas – a não ser aos únicos penhores dessas contas, que somos nós. Na singularidade do cais onde somos esteio, dando abrigo aos mares todos que entrarem no porto, juntamos as ruínas do que houver por ruína e devolvemos ao mundo com cores edificantes. Pois somos o caudal onde os mares se alojam, os conhecidos e aqueles que vierem ao conhecimento pelas descobertas de que somos pioneiros. E depois, montando em cavalos selvagens suavemente domesticados, transgredimos a fúria dos elementos inquietantes e arroteamos o chão aveludado que deixamos em espólio. Somos hélices dos navios todos, até dos tresmalhados. Aos órfãos, trazemos as pétalas ungidas pelo sobressalto contínuo que não nos deixa atravessados na desaventura da história. Damos-lhes os mares todos por navegar, os mares que deixamos em legado depois de os navegarmos. Por fim, trazemos à memória os jacarandás em seu explosivo desabrochar. E sabemos que esses jacarandás são os nossos olhos.

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