Sigur Rós, “Sæglópur”, in https://www.youtube.com/watch?v=TFHCWZh0_Co
Bebemos aos mais altos sonhos, até àqueles
de que desconfiamos da sua possibilidade. Mas metemos as munições no coldre,
vertemos o vinho que se esgaça no cálice, olhamos para o céu em redor (como se
nele demandássemos inspiração) e fazemo-nos alfaiates dos sonhos que nem sequer
sonhávamos. Com as mãos, abrimos as nuvens fechadas até o sol indagar a
serventia do esforço. Jogamos as fichas contra as probabilidades, que as
apostas de triunfo certo são as imprestáveis.
À frente de uma parede branca,
caiamos os seus poros com as palavras que se encontrarem à boca de cena. Como se
fôssemos arquitetos da gramática e uma nova semântica desse ao cais, com uma
riqueza insuperável. Seria como se inventássemos uma linguagem só nossa. Seria como
se fosse possível sonhar estando acordado e pelo meio da lucidez ondas
sucessivas de matéria onírica compusessem o horizonte por onde o pensamento transita.
A certa altura, não saberíamos se estávamos imersos no sono ou se o sonho tão
denso tomou conta do pensamento e a lucidez foi açambarcada pelo império dos
sonhos. Concedemos: talvez se trate da última hipótese. Rasuramos a conclusão,
deitando por terra a hesitação: é da última hipótese que se trata. Os sonhos não
são toleram hesitações.
Por dentro dos sonhos convertidos, um
aluvião de pensamentos indiferenciados chega às mãos. Não sabemos o que fazer
com tantos pensamentos. Outros diriam ser uma tempestade cerebral – e celebrariam
a tempestade cerebral como feito a reter na moldura da memória. Nós somos neutros.
Não sabemos se, ao sermos sonhadores furtivos, nos convertemos intérpretes de
uma tempestade cerebral. Nem nos interessa saber se há motivo para júbilo. Preferimos
dar conta das asas de um pássaro que nos transporta, mostrando os lugares
escondidos, os lugares nunca dantes demandados por gente, e que assim chegam ao
nosso olhar. Somos levados no dorso do pássaro longânime, que é o sumo
sacerdote do sonho. Mas não somos parte passiva no cadastro da sua vontade:
temos as rédeas nas mãos e o pássaro obedece aos nossos comandos.
Mesmo assim, os sonhos habitam no
exterior da vontade. Sulcamos os ventos destravados, arremetemos contra as
tempestades iracundas, revolvemo-nos no pináculo do sol estival, ancoramos os
sobressaltos na távola dos descontos e fazemos dos sonhos o fértil chão de onde
cerzimos os tapetes que recebem os nossos pés. Furtivamente, como os sonhos em
que nos deixamos levar.
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