Mogwai, “Coolverine”, in https://www.youtube.com/watch?v=8ZocDT3TmAE
Um pai dizia à fila: “sabes? Os adultos são culpados pelo efémero
da infância.” O rosto perplexo da menina exigia uma explicação. “Somos culpados, porque nós, os mais velhos,
julgamos que é preciso que as crianças estejam protegidas do mundo exterior. Por
isso é que vos colocamos dentro de uma cápsula que julgamos à prova de bala, ou
seja, à prova do mundo e do que o mundo tem para oferecer de pior. Por isso é
que julgamos que a infantilização é a alienação necessária, para vocês não
darem de caras, e cedo de mais, com o mundo que será vosso covil mais tarde. Não
somos grande ajuda. Não o somos quando queremos fazer de conta que o vosso
mundo infantil é um lugar formoso, um autêntico conto de fadas – quando nem
sequer há fadas e os contos que se contam são, muitas vezes, sobre coisa
hediondas, sobre o triunfo da maldade, sobre os maus espíritos, sobre a
desconfiança, sobre a adulteração dos significados, sobre a desonestidade,
sobre aquilo que os mais puristas – e por aqui se vê não ser esse o meu caso –
consideram ser uma entorse à ética. Depois, quando vocês crescem e o pensamento
se liberta das amarras da puerilidade da infância, e quando começam a ler o
mundo pela grelha mais lúcida que os vossos olhos permitem, insurgem-se contra
quem não vos forneceu matéria-prima que servisse de introdução geral ao mundo. Nessa
altura, custa-vos muito a desligar do idílio em que a infância foi vivida. Percebem
como as coisas, todas as coisas, são uma imersão efémera. Como estão
desiludidos com os mais velhos, que souberam ser apenas mestres na vossa
impreparação, não confiam neles e não fazem as perguntas que podiam aplacar as
dores de crescimento. Aprendem sozinhos a crescer com o mundo, o mundo
pungente, que cresce às costas do vosso crescimento. Na melhor das hipóteses,
organizam um condomínio onde aprendem a crescer uns com os outros. Percebem que
não podem crescer mais do que o mundo que é a vossa casa imensa. Percebem que esse
é um lugar que açambarca a espontaneidade que havia, em seu lugar medrando um
contínuo cinismo que é o modo de se protegerem contra as aleivosias que vêm de
fora. Sim, intuem que tudo é efémero. Há de chegar o momento em que a
representação do efémero deixa de ser uma contrariedade. É quando percebem que
as coisas têm um tempo próprio. Como foi o caso da infância que foi a vossa, como
a incubadora onde não estavam à mercê do mundo implacável que depois aprenderam
a ver.”
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