Morgan Delt, “Some Sunsick
Day”, in https://www.youtube.com/watch?v=A95QBLePeFw
Guardava, em penhor daquele lugar, a
imagem da tília sozinha no meio da larga avenida. Era como se o desenho do
lugar tivesse sido feito a partir da árvore, ou como se da árvore um compasso
irradiasse com um desenho impecável, aritmético, numa ordem helvética (sem se
estar na Suíça).
A tília era frondosa. A folhagem
resplandecia sob a inspiração do dia imensamente soalheiro. Talvez resplandecesse
porque o vento respirava sobre a árvore, num sopro modesto e, todavia, heurístico.
A copa da árvore abria-se num triângulo de aba larga. As pessoas diziam que se
abrigavam sob a tília quando o verão encomendava dias de canícula implacável. Na
sua generosidade, a tília oferecia frescor. E, mesmo assim, não havia ninguém
que perdesse dois minutos numa interrogação possivelmente capital: havia quem
regasse a tília?
Também se dizia que, em tempos já sem
memória, dois amantes selaram o amor com um poema lacrado na casca grossa que
protegia o tronco das adversidades exteriores. As marcas do tempo foram
apagando a nitidez das palavras. Não era possível perceber as estrofes todas,
as palavras todas. Estava lá a mais importante de todas (em se tratando de uma
profissão de fé entre dois amantes): “amor”. Escrita três vezes, em suas possíveis
variedades (“amor”, “amar”, “amo”). Foram as únicas palavras que não ganharam bolor
com a caução do tempo inamovível.
A árvore centrípeta tutelava a
cidade. Não eram seu ex-libris outros
monumentos; era a tília que desalfandegava os poros viventes da cidade. Era
através da tília que a cidade respirava. Mas havia quem advertisse que a tília
estava sitiada pela melancolia. Era uma árvore sozinha. Perguntei se a tília
nunca teve companhia. Alguém respondeu, apontando para uma fotografia antiga
afixada na parede do café central, que houve tempos em que a avenida foi
povoada por um correr de árvores. Foi por pouco tempo. As demais árvores
mirraram, tolhidas por uma doença fatal que botânico nenhum conseguiu explicar.
A tília matricial continuou viçosa, imune às doenças do foro.
Talvez não quisesse companhia. Talvez
a tília não admitisse partilhar o protagonismo com outras árvores, menores e
juvenis. Pagou o egoísmo com a solidão. A tília sozinha não se importava. Todos
os olhos se vertiam sobre a sua magnificência. No fundo, não estava sozinha,
tantos eram os olhos que não paravam de exclamar a sua admiração quando se
demoravam a contemplá-la.
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