LCD Soundsystem, “American
Dream”, in https://www.youtube.com/watch?v=ML1MUKOJIIo
Experimentemos deixar as coisas inúteis
ao deus-dará. Ficarão emaranhadas na indiferença que passa a ser seu selo
distintivo. Amontoam-se, à espera da poeira. À espera que alguém, num dia
porventura incerto, delas tenha visibilidade.
Percebe-se que ficam expostas ao
olvido, pois a sua inutilidade adestra-as ao esquecimento. Envelhecem. Ainda mais
depressa do que antes de o serem, quando uma conjugação de fatores ditou a sua
incongruência. Perdidas numa sobra de materiais sem serventia, envelhecem ainda
mais. Ficam imersas na decadência própria do seu estatuto de sucata. Nem sequer
se intui um esforço para atapetar memórias, fazendo desfilar a opulência de
outros tempos, quando ainda nem sequer havia a noção de poderem ser sucata. Nessa
altura, a sucata era apenas uma palavra vã. Um monumento à inestética, de cada
vez que havia estradas para percorrer e elas tinham precipícios compostos de
sucatas. Pois elas agridem o olhar, com o ajuntamento caótico de peças metálicas
desconjuntadas, as sobras dos acidentes de viação em ferros retorcidos, peças
avulsas espalhadas ao acaso, a ferrugem mosqueando a paisagem.
As sucatas como cemitérios onde as carcaças
inúteis eram depositadas. Agora, tem-se a noção que a sucata não é um cemitério.
Fazem-se negócios nas sucatas. Elas conservam alguma utilidade. Não se trata de
um amontoado exasperante de quinquilharia. As peças avulsas podem ter procura, a
qualquer momento. Ainda lhes sobra uma função mercantil. Uma sucata não é a
incarnação de um cemitério, mas é a personificação da decadência. O lugar onde são
vertidos os despojos de algo que outrora teve certamente alguma grandeza.
No ocaso de uma sucata, resta
apreciar o entardecer na sua finitude. As cores mestiçadas que se sobrepõem em
camadas podem não ser recompensa para a angústia de uma sucata. À falta de
melhor, que sobre a semelhança de um entardecer onde se conserva alguma estatura.
Ou o pesar específico que repousa sobre a idiossincrasia de cada despojo
amontoado. Ao menos, há essa serventia. Uma serventia, qualquer.
(A menos que uma ardilosa hermenêutica
procure disfarçar a indiferença de que é credora a sucata.)
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