God Is an Astronaut, “Forever
Lost”, in https://www.youtube.com/watch?v=QEphsKl1g9M
- Há uma anestesia que
se ensaia no propósito do esquecimento das coisas – mas digo, das coisas como
elas são, não como se intuem como deviam ser.
- Que anestesia é essa?
- Aquela que liberta os
freios ao que se julga ser um atalho que se sobrepõe à vontade, através das
algemas das imposições gratuitas que nunca deviam ser obedecidas.
- Queres falar sobre rebeldia?
- Sim. Mas de uma forma
de rebeldia que não possa de um ardil. Daquela rebeldia que se supõe sê-lo e não
passa de um ato voluntário que contradiz tudo o que venha na rede do aceitável
(pelo menos na formulação dos espíritos pensantes, dos que podemos considerar os
doutrinadores).
- Julgo entender que te opões a esses espíritos livres.
- Estás certo, é da
oposição total que se trata. Esses insubordinados não se movem se não pela
intenção de provocarem os bons costumes, o estabelecido nos códigos de conduta,
as ideias oferecidas pelos espíritos pensantes. Não os tenho como espíritos
livres. Nem como genuínos insubordinados.
- Contudo, deves reconhecer que os haja, algures,
mergulhados na sua espontaneidade. Gente que professa a antinomia perante o
estabelecido e que se insurge contra os bons costumes e os códigos de conduta.
- Não os consigo
reconhecer. Os que aparecem são um embuste de si mesmos. Nem sequer lhes gabo a
artimanha interior em que se consomem, pois de tanto se oporem a tanta coisa,
depressa escorregam para a incongruência interna: hoje apostrofam algo que
dantes foi alardeado (pelo menos com a caução do seu silêncio). Acabam por ser
espíritos fracos. Movem-se por um determinismo destrutivo.
- Como podes ter tanta certeza sobre o que move outras
pessoas que estão no exterior de ti? Como podes alinhavar tamanhas conclusões
se não te podes tomar por dentro desses espíritos e ter uma noção do que os
move? Parece-me que te encontras refém de um preconceito inultrapassável.
- Explico-me: concedo
que não posso dar caução a tais respostas, pois não tenho como circular por
dentro do sangue dos insubordinados. Todavia, há sinais reveladores. Primeiro, limitam-se
a destruir o que está instituído. Não têm nenhuma ideia do que pode servir como
alternativa. Segundo, alguns sinais exteriores são a prova de que compactuam
com o que dizem estar nos seus antípodas.
- Não me pronuncio sobre os tais sinais exteriores que
podem ser apanágio do contrário do que defendem. Cada qual toma o rumo da vida
que achar por bem. Não cabe aos outros fazer julgamentos. Ou todos corremos o
risco de sermos juízes uns dos outros, com o inerente caos como consequência – com
a consequente pulverização da autonomia da pessoa. Pronuncio-me sobre o
argumento que se insurge contra a demissão de um modelo alternativo. Não compreendes
o que inspira um espírito livre e desassombrado: ele não pode ser menoscabado só
por desmontar o estabelecido sem ousar os alinhavos de uma alternativa. Era o
que mais faltava, se os espíritos (que, julgo, todos se consideram livres) não
pudessem ser críticos se lhes fosse exigida, como contrapartida, a formulação
de uma alternativa. Quem assim se dispõe, não sabe o que é um espírito livre.
- Nesse caso, o ónus da
transformação fica sempre do lado de quem não tem apenas o comportamento
negativo da destruição pela destruição. Parece-me que os insubordinados não
passam de gente com um inapelável mau feitio.
- Acabas de cair em contradição, ao afirmar que só os
que ousam descoser as bainhas do estabelecido para o caminho da transformação é
que merecem crédito. Assim sendo, essas pessoas estão do lado dos
insubordinados que execras. Uns e outros não contemporizam com a ordem
estabelecida. Os insubordinados têm boa companhia. (Ou o contrário: as pessoas
por dentro do sistema que compõem planos para a transfiguração do estabelecido
têm a boa companhia dos insubordinados.) No fim de contas, são todos
insubmissos.
- Há algum mal em ser
conservador?
- Não me vês a condenar os conservadores.
- Julgo que chegamos a
uma forma mínima de entendimento.
- Não diria tanto. Um conservador da tua gesta acaba por
ser mais insubordinado do que os insubordinados que te desagradam.
Sem comentários:
Enviar um comentário