Beth Gibbons & Rusty
Man, “Mysteries”, in https://www.youtube.com/watch?v=x2oujWSZCcg
Talvez haja textos incómodos. Sobretudo
para quem os lê. Textos porventura excessivos, vertendo uma virulência
incontida. São textos, porventura também, que põem a nu a raiva sem freio e que
se não deve à vontade de quem passa à escrita as palavras. Textos tão incómodos
para quem os lê como para quem os escreve. O autor preferia não os ter escrito.
E, todavia, escreveu-os. Foi a laceração da alma sem ter à mão os freios
precisos para desviar os olhos das atenções que não seriam credoras de atenção.
Textos que contêm palavras que entram
nos olhos como lanças dilacerantes, como unhas que arranham os olhos, sangram-nos.
Não são nacos de prosa que permitam um epílogo ameno. Termina-se o arrazoado e é-se
assaltado por um sobressalto traduzido nas palavras virulentas. Ferem, essas
palavras, porque quem as lê pode sentir a angústia de quem as trouxe ao seu
conhecimento. Ainda que inadvertidamente, ainda que a sensibilidade exterior esteja
ausente, vinga a perplexidade diante do desassossego vertido nas palavras
acabadas de ler. É um texto-agressão, um manual de coisas vexatórias, o mais
inadmissível dos inadmissíveis, a impossibilidade de assobiar ao alto quando à
soleira vem desaguar o rude estertor dos factos.
Oxalá houvesse congeminação da
vontade para tornar irrelevantes tais factos. Podia ser um estado de alma que
revelasse o refrigério que a abriga, como se ela fosse imune às provocações que
dão corpo, em seu resultado, ao antropológico esmorecimento. Pode haver
momentos em que a indiferença seja critério ideal. Momentos em que a vontade se
terça para deixar a indiferença ser punição severa aos que só merecem a
indiferença. Por vezes, o inoportuno que desassossega medra em ebulição; dele
irradia uma constelação de dores que, ao serem pungentes, ao darem à costa a
pior dimensão da espécie de que somos atores, desata a configuração das
palavras iracundas. Antes não houvesse este frémito, indomável. A intransigência
combina-se com as veias ferventes que procuram diluir a ópera bufa.
O tempo há de curar o resto. É como suplicar
que se tirem as unhas dos olhos. Ou, ao menos, que as unhas sejam aparadas. Para
aplacar os sobressaltos e recusar as palavras incómodas, iradas, embebidas numa
virulência incontida. Para, enfim, resgatar a lua dourada que merece ser leito
duradouro.
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