14.6.17

A farsa


Tricky, “The Only Way”, in https://www.youtube.com/watch?v=kX3JCrEs_qw    
Convocam-se os generais embelezados para emprestar solenidade à função. Descobre-se, a meio da dita, que são embalsamados. Não podiam sequer mover um dedo caso um forasteiro incomodasse a soberania que os generais juram defender pela morte, se preciso for. Pois parece confinado a este resultado a hipótese de a brava nação ter de guerrear com outras.
Só a auscultação da hipótese revela como as tropas e generais e toda a hierarquia castrense são coisa datada. O anacronismo ajuíza a farsa em que se movem. Mas a brava nação precisa de ostentar medalhas para o povo atestar o sossego que os cobre (nação e povo, na indistinta confusão em que o segundo é doutrinado pela primeira). Falta elaborar o raciocínio: quem se daria ao trabalho de perpetrar uma invasão territorial, se o que temos é tão exíguo e desinteressante? A farsa não reside apenas na sobrevivência de um escol castrense que habita nos segredos bem guardados dos quarteis, como se fosse um retiro monástico, com direito a linguagem codificada e a rituais que perfilham o seu quê de místico, ensaiando jogos em que se simula a dececionante verve bélica dos seus mais elevados patronos.
Falta continuar a elaborar o raciocínio: quantos dos tributos confiscados aos súbditos alimentam esta força farsante? Haveria algum préstimo da força armada caso a brava nação acordasse apoplética com uma invasão do território? Não se pode continuar a elaborar o raciocínio. Primeiro, a doutrina zelosamente ensinada logo na escola convence que a proteção da brava nação contra possíveis guerras exige a incorporação de pressupostos que não admitem discussão. Têm tanto de lugar-comum como de tabu. Segundo, no reino dos imperativos categóricos, em que as coisas são ensinadas sem haver lugar a espírito crítico, não se admitem perguntas que incomodem o estabelecido. O lugar desta farsa é o mais cómodo de todos. E o mais estulto, também.
Tudo isto reforça a farsa. A grande farsa que cobre, de norte e sul e do litoral ao mais recôndito interior, a brava nação. Os compatriotas, ensinados a aceitar os lugares-comuns sem discussão habilitada, são atores voluntários da farsa em que participam.

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