The The, “We Can’t Stop
What’s Coming”, in https://www.youtube.com/watch?v=oAudkj4U-H4
- Dizes-me que os números
são o sortilégio de tudo. Pedes para acreditar que um número traz um
significado. É quase como se uma variedade de astrologia comandasse o tempo que
está para vir e que nos limitamos a ser passageiros desse tempo, nós à mercê
dos números que vierem aterrar às nossas mãos. Reféns de um acaso. De um numérico
acaso.
- É um resumo razoável da numerologia. Por exemplo, se o
primeiro número que vier aos teus olhos, depois da alvorada, for o (digamos)
quatro, tens de o fazer corresponder à letra D, que remete para “diamante”. Terás
um dia diamante, ou seja, será dia para tudo te correr de feição.
- Não será uma maneira
estreita de ver as coisas? Vamos supor, por um momento, que admito (só para
efeitos da pergunta que quero formular) a correspondência linear entre o número
e uma letra que, julgo, se bem entendi, ser sua correspondência por ser a
quarta letra do alfabeto. Não achas que estabelecer uma correspondência apenas
a uma palavra começada por D afunila as hipóteses de vencimento da tua teoria?
- Há cânones que assim o estabelecem. Se for o quatro,
remete para a quarta letra do alfabeto e essa é sinónimo de “diamante”.
- Mas podia ser “deserção”,
ou “desespero”, ou “demissão”, ou “demoníaco”, só para evocar quatro palavras
com conotação negativa que vêm à memória. Por que razão a palavra que
corresponde à quarta letra do alfabeto, por sua vez correspondência necessária
e indesmentível (pelos cânones do que acreditas) do número quatro, tem de
obedecer a uma palavra que é imperativamente positiva? Não me digas que se
apanhar um quatro logo a seguir a acordar é-me garantido, sem possibilidade do
seu contrário, que terei um dia magnífico como magníficos são os diamantes.
- Digo outra vez: estes são os cânones da numerologia. Está
convencionado. Ou aceitas, ou o melhor é ditares o teu afastamento em sinal de
respeito por quem acredita.
- Não julgues que estou
a exibir desrespeito pela tua crença...
- ... Isto não é uma crença. Está documentado; é científico...
- ... Perdoa-me, mas não
aceito a cientificidade do que defendes. Se tenho o despertador todos os dias marcado
para as sete horas e dois minutos, nunca terei a sorte de apanhar um quatro
como primeiro digito do meu dia depois de ser resgatado ao sono. Tenho de me
resignar à impossibilidade de não poder ter dias magníficos pela frente?
- Ainda não te disse o que significam o zero, o sete e o
dois.
- Pois não, mas ainda
estamos a braços com o quatro. Continuemos com o quatro, para dar conta da
minha segunda objeção: se o quatro remete para D, que, por sua vez, é
correspondente a “diamante”, temos de aceitar que haja pessoas que são
indiferentes a um diamante. Nesse caso, o quatro (e o D que lhe corresponde) não
é augúrio de nada que seja promitente de um dia capacitado por coisas apenas
magníficas.
- Ora, estás a exagerar. Para toda a gente – vá, para a
maioria das pessoas – um diamante é sinal de abastança que não se recusa.
- Estás a objetivar de
mais. A possibilidade de haver exceções a esse comportamento é um óbice à
numerologia. Terceira objeção: parece que só interessa o sentido linear que se
obtém da correspondência entre um número e uma letra. E, todavia, se partir de
um princípio de aceitação da numerologia (o que, já deves ter entendido, está
longe de acontecer), não posso ignorar outras circunstâncias que podem embaciar
a correspondência linear.
- O que pretendes demonstrar?
- Para além da estultícia
da numerologia (salvo o devido respeito), um quatro pode ter diferentes
significados consoante uma miríade de circunstâncias que marquem o agente cujos
alvores são trespassados pelo quatro. Por exemplo: se está de chuva ou se está
um dia soalheiro, não influencia a significação do quatro? Ou se o jantar
anterior foi de carne ou de peixe? Ou se a noite foi domínio de pesadelos ou de
sonhos, digamos, tributários de um certo prazer da vida? Ou se o dia anterior
foi de degustação de prazeres culturais, ou apenas um dia de modorra,
indistinto dos dias que são a maioria? Ou se houve álcool a transitar nas
veias, ou foi um dia sem os sentidos obnubilados por agentes
exteriores? A contagem das letras que correspondem aos números começa pela
primeira letra do alfabeto; e não pode começar (em certas circunstâncias) pela última
– ou por outra qualquer, por um qualquer critério? E por aí fora. A
numerologia, para se embeber num módico de credibilidade, devia libertar-se das
amarras de visões limitadas e sectárias em que se encerra.
- Depois de tão farta elucubração, não te apetece saber
quais os significados atribuídos aos demais números?
- Não. Já entendi que
para a numerologia só há dez números e a numeração termina em nove. Outra fonte
de risibilidade, se me permites a opinião, com o obséquio de não a considerares
uma ofensa pessoas às tuas crenças.
Sem comentários:
Enviar um comentário