Father John Misty, “I Love
You Honey Bear” (live), in https://www.youtube.com/watch?v=lxVUV7ZwSs0
O grande artista entra em palco e lança-se
para o chão mal entoam os primeiros acordes. Aterra com os joelhos no chão, o
dorso curvado para trás, o olhar alcançando um céu (que, naquele momento, era o
teto do palco) e começa a pungente exibição de dores interiores que o consumiram
durante a vida que levou até se ter feito artista. Contorce-se, ainda de
joelhos no chão, como se o menear do corpo fosse o sinal dos sobressaltos
interiores que foram companhia perene, como se nem assim conseguisse exorcizar
os fantasmas que o amordaçam.
Tem outra especialidade, o grande
artista: a expressividade. As palavras condoídas saltam aos olhos através de
gestos meticulosamente preparados para servirem de seu sublinhado. Ele é a mão
trémula que simula um afago no rosto da mulher amada que o deixou de mão; ele é
o gesto arrebatado de quem tira o coração à força de dentro do peito atirando-o
às avenidas ingratas onde se joga o seu fado; ele é o abrandar das palavras no apogeu
da angústia declamada; ele é a mão que sobe ao olhar para recolher uma lágrima
derramada na cólera das palavras. Depois, o grande artista levanta-se, enérgico,
e devora as ripas do palco em passos tonitruantes, mostrando a fúria dos
incompreendidos. Consome-se nas fráguas da ira, vertendo-a na música melancólica
que traz o êxtase à audiência – como se esse momento extático representasse a
comunhão das dores interiores embebidas em todas aquelas almas e, ao mesmo
tempo, aplacasse as inquietações do grande artista.
O grande artista divide-se entre a
prosa do amor fracassado e a prosa que chora o desamor, os vários desamores. Há
mulheres junto ao palco que choram, fazendo coro com os lamentos do grande
artista. Não se percebe se comungam do seu desditoso fado, ou se se perdem de
amores à boleia do aspeto garboso do grande artista, as lágrimas partilhadas
(as delas, com sabor a sal; as dele, apenas vertidas na prosa cantada) como se
fossem o compungimento pelas perdições desatadas que o grande artista arranca
do peito com grande sacrifício.
Poder-se-ia pensar que o grande
artista e a sua audiência estão num arraial popular. Não é o caso. O grande
artista é – com certificação cabal –expoente das vanguardas e os que o seguem,
como pajens acríticos, têm de si a representação de uma elite cultural.
Às vezes, ou a versatilidade se confunde
com uma coluna vertebral que se dobra às circunstâncias, ou é mesmo caso para
afirmar que os gostos e a estética traduzem uma subjetividade imensa.
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