1.1.18

Orientada


The Smiths, “How Soon Is Now?”, in https://www.youtube.com/watch?v=hnpILIIo9ek    
(Vento do oriente, como a nortada é o vento de norte)
Na valsa dos contratempos, um silêncio variegado que embate de frente contra o rosto, dando-lhe o perfume fortificante. O vento mudou de feição. Se nos colocarmos no sentido da bússola, em demanda do norte geográfico, já não sentimos o vento a esmagar-se fragorosamente contra o rosto. É um vento lateral e transpira um odor singular. Parece tingido de especiarias, como se andássemos num bazar árabe e fôssemos embriagados pela torrente de especiarias multiformes que nidificam nos cabazes fartos.
Dizemos: “o vento mudou de feição”, para sermos caução da observação que não se esconde do olhar. E, no arrebatamento da orientada não exígua, no cabo onde se apreciam as cores diferentes exportadas pelo vento oriental, tecemos os olhos às diferentes camadas envergadas pelo neófito vento. Esta terra adulterou-se e abriu as janelas para receber o vento oriental que conseguiu derrotar a fresca nortada. Sentimos um calor a invadir os poros, tomando conta das veias, da carne mais funda.
Outros tomar-se-iam de pânico ao sentirem a extemporânea canícula insinuar-se nos respetivos corpos. Seriam testemunhas de um pesar absorto, penhores da telúrica desorientação, como se achassem avariada a bússola interior por que se regem. Não vem ao caso, pois não se cuida de medir os passos trocados do clima: um vento inesperado não é estrutural lençol que se abate sobre o território, nem o lugar se transfigura arqueado sob o peso do clima – dir-se-ia, por ignorância – adulterado. Apenas conta a inspiração vertida pelo vento oriental que se infiltrou nas casas, de um vento insueto desafiando a hermética construção das casas. Para as contas que contam, às pessoas extraídas da inércia cimentada pelas rotinas: a orientada tem este predicado: as razões são interrogadas no contrapé em que se sopesam, entregues no altar indiviso de um vento que não costumam provar. Há um notável odor a novidade a tomar conta de tudo.
À mercê do vento oriental, é como se fôssemos turistas na nossa cidade. A luminosidade mudada, as sombras baças desenhadas nas arestas das casas, o cheiro exótico que adeja sobre a cidade, até a tonalidade da pele das pessoas (aparentemente escurecida), dão a entender que o vento oriental instalou uma nova cidade por dentro da cidade. Aos seus habitantes, o prazer inconfessável de a purificarem no laboratório dos sentidos transfigurados pela orientada.

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