Sempre me meteu impressão a velhice. Não fujo da palavra: medo. Um certo medo. Da decadência que sublinha a velhice irremediável. Da vulnerabilidade. Da dependência de um corpo desautónomo, ancorado à existência dos outros. Da consciência da proximidade da finitude. Dizem que as pessoas conseguem encontrar um caminho para a aceitação da morte. Preparadas para o seu adeus, repousam na ideia de que a vida já os teve como lídimos intérpretes. Mesmo que não o entendessem antes da caução interior para a morte apaziguada. Dizem que o espectro da partida tempera o juízo que fazemos de nós mesmos. Que passamos a arbitrar o juízo do pretérito e que nos perdoamos na imensidão dos erros que poderão ter sido hipoteca de um viver pelo menos diferente. Que temos tempo de sobra para tornar maduros os pensamentos que compulsam a introspeção pelo caminho demandado. Sem tempo para arrependimentos, que a redenção não é se não uma jura pretensiosa que se facilita no pressentimento do epílogo. A arbitragem da decadência desautoriza a angústia. Convence da participação num processo irreversível de que não se conhecem exceções. O sonho da imortalidade é pueril, ofensivo. O corpo descapacitado, a memória que se estilhaça em fragmentos dispersos, sem ligação, o caudilho da espera, tudo se congemina para que a aceitação ganhe um novo sentido. Do lugar em que me encontro, não sei do paradeiro desta arbitragem. Daí o medo. Uma certa recusa em me entender como passageiro passivo do tempo. E o infértil descontentamento por todo o tempo que for meu património. Por ora, não consigo encontrar os rudimentos da arbitragem entre mim e a minha ausência. Quero tudo o que a vida me seja em sua pródiga condição. Nunca consegui entender que se possa “queimar tempo”; ou será o tempo queimado o santuário dos angustiados, dos que, sem saberem, já cometeram suicídio antes do tempo?
30.12.20
Arbitragem (short stories #290)
NU, “Alastra”, in https://www.youtube.com/watch?v=9j4cFzPtR7I
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