Estrénuo, não sabia das costuras dos outros, apenas apascentava as suas. Era como se fosse mandatário de um corpo seu por interposta pessoa, como se fosse possível sair ao seu exterior e daí observar-se, meticulosamente. Dentro da sua lucidez, extraía-se aos limites das leis. Elas tinham sido feitas para os outros, os que as tresleem no arnês do ilícito. Da sua parte, tinha a consciência em dia. Não que se importasse muito, mas se fosse inquirido diria ser um “cidadão exemplar” (por mais que o conceito lhe causasse náuseas).
Sempre que era caucionado pelas leis, apresentava diplomaticamente as credenciais da dissidência. Sabia cuidar das suas obrigações. Sabia dos imperativos que se delegavam no dorso dos códigos de conduta. Que mais eram as leis do que códigos de conduta passados a letra de forma e com o bastão inquisitivo da autoridade legífera? Contrapunham os diligentes cumpridores da legalidade instituída: como não sabemos do paradeiro e da substância de todas as leis, elas têm de existir e devemos obediência. Discordava. As leis que pudessem colidir com o seu comportamento não precisavam de ser sabidas; ele cuidava de cinzelar o comportamento ao espírito das leis em aplicação, sem delas ter conhecimento. Não reconhecia a mudança de comportamento para o tornar coerente com as leis: estas vinham ao encontro do seu modo de viver.
Enquanto fora da lei, não era perseguido pelas autoridades. A sua existência era exterior à lei. A conduta nunca fora permeável a normas com o crivo de lei. Para os que caíssem no logro da confusão de conceitos, recusava ser apostrofado como “fora de lei”. Um fora de lei exerce uma recusa premeditada da lei. Fica à mercê das punições exaradas pela lei. Ele considerava-se um fora da lei. Não estava à mercê da lei porque esta é que vinha ao encontro da sua conduta. Sentia-se prévio à existência da lei, mesmo quando, cronologicamente, a lei lhe era precedente. Ninguém aprende nos bancos da escola e na tribuna da educação familiar todo um corpo de leis. O crescimento de uma pessoa é marginal ao corpo das leis (se não, acabávamos todos a ser bacharéis em leis).
Como tinha a consciência em dia, não precisava de estar na órbitra das leis. A legalidade era para os outros, pois a ele a sedução da ilegalidade era indiferente.
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