Era impante, a pose com que saía à rua. Não podia ser diferente. Aquela era a sua rua. “A sua rua” era polissémico. A “sua rua” por ser a sua morada. E a “sua rua” por ser denotativo do império que considerava exercer, como se fosse a coutada privativa e os demais, residentes e forasteiros que ali arrimassem, se submetessem à sua soberania.
Não se lembrava de como houvera angariado tais pergaminhos. Ninguém conseguia ser testemunha desses pergaminhos. A memória parecia perdida na languidez da luz que se deitava sobre a rua. Como uma conspiração (sem se saber quem a industriava) para que exercesse domínio sobre a coutada. Num assimétrico manusear dos que ali contracenavam: o domínio que lhe competia, como o maior da rua dele, não tinha expressividade, era um reconhecimento de sentido único: os outros da rua dele não sabiam da sua existência. O estatuto era-lhe consanguíneo. Um frugal estatuto. Não mais do que isso.
Era um ensimesmar sem consequências. Quando se passeava com a altivez digna de um suserano, não ofendia, não provocava. Era mais um maneirismo de quem se julgava ser a mais para o corpo e o pensamento havidos. A rua era exígua para tamanha imponência. Estava, contudo, aprisionado a uma contradição: não queria exportar a grandiloquência para outros domínios, nem queria que o chão sob seu domínio correspondesse a ruas maiores, ou a um conglomerado de ruas que, entretanto, fosse colonizando. Era uma grandeza que cabia dentro daquela rua. À medida da rua.
A pose altiva não era visível desde o exterior. Tudo se passava dentro de um labirinto onde a sua coutada se condensava. Um labirinto de que era o único utente. Na exiguidade desse enorme universo imaginado, não havia ninguém mais importante. Um dia, em conversa com um amigo fictício (às vezes dizia ser o desdobramento da sua personalidade, dependia dos dias e do estado de espírito), veio em sua própria defesa. Disparou a pergunta retórica: “não somos todos assim, a pessoa mais importante para o eu que se avalia desde o exterior?”
A reivindicação de estatuto era irrelevante. A rua dele era uma viela.
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