18.12.20

Arraia graúda (short stories #286)

Viagra Boys, “In Spite of Ourselves”, in https://www.youtube.com/watch?v=WLl1qpDL7YA

          No asnal procedente, os da arraia graúda afocinham os punhos de renda em cima da mesa. Contrariam os manuais da etiqueta – mas quem se importa com a etiqueta, se ela só se aplica aos da miúda arraia que não têm pergaminhos? Seja como for, são punhos com renda, os da arraia graúda. Tamanhos punhos podem, muito naturalmente, assentar sobre a mesa e diante dos amesendantes. São punhos eivados de linhagem. Gente desta nobreza não precisa de certificar a origem. Transporta consigo um inato certificado de denominação de origem classificada. E granjeiam invejas. À sua ilharga gravita um séquito de aspirantes a serem algo de parecido com eles. Faltar-lhes-á sempre a linhagem, e nem toda a fortuna do mundo conseguirá suprir as berças de onde proveem. Os invejados estão num patamar superior, inacessível. Mesmo que muitos deles não sejam se não a pompa e a circunstância nobilitante, pois nem rapando o fundo do tacho há provimentos que concebam as mordomias em que insistem parasitar. Gente tão nobilitada não cometerá os pecadilhos da gentalha. Quem, contudo, quer apostar que, como o comum dos mortais, são acometidos pela flatulência, procuram a carnalidade selvagem dos corpos (ou o sexo, essa palavra proscrita do vocabulário com teias de tabu), embebedam-se desvirtuosamente e escondem no armário um par de esqueletos que, na arraia miúda, seriam motivo de imediata troça e reprovação social? Quem quer continuar a apostar nos privados vícios que não os distinguem da maralha? Quem acredita que são a personificação da lisura que deixam transparecer na pose mui fleumática, num cavalheirismo de pacotilha que se estilhaça ao menor acosso da paciência? Condenados à decadência e à irrelevância, satisfazem-se com o traço distintivo da ralé: são graúdos, mesmo que já não tenham estatura para o serem. Mas são uma graúda arraia. Por mais que os traga compungidos, nisso não se distinguem da arraia a que, depreciativamente, apostrofam como sendo “miúda”.  

Sem comentários: