Qual é o paradeiro do fio de prumo? Há quem diga que as palavras não podem ser prisioneiras da coerência. Pode ser insuportável, o preço a pagar pela teimosia da coerência. Em vez da lei de bronze enquistada na obstinação, ninguém perde a vida (nem a vergonha, outra coisa menos importante) se tiver de fazer marcha-atrás. Às vezes, faz-se marcha-atrás para poder seguir em frente. A sentinela da lucidez não derrui com o sono. O beato sopesar, armadilhado por uma teia de tabus, desconhece a triagem dos sentidos que obriga à mudança de ideias. Há radicais de outras cepas que se emaranham no mesmo padecimento. Mudar de ideias é maiêutico. Um esplêndido descamisar que fermenta a madurez dos sentidos. Nem que seja para ser diferente, pois viver preso às mesmas ideias deve ser uma fadiga com prazo de validade. Os pesarosos zeladores da coerência entronizam-na como valor acima da média dos valores. Acabam por ser presas da maior incoerência: pois trazer ao peito a coerência e por ela lutar com veemência pode encerrar o maior paradoxo se a coerência defendida esbarrar na inverosimilhança. Mas cada um acredita nas verdades que elege como verdades. Não se trata de sindicar a verdade de cada um, que no tabuleiro onde diferentes verdades se terçam não cabe a objetividade. Tudo o que se impetra é um exame de autoconsciência. O desprendimento de si, para do exterior ser possível sindicar os esteios que conduzem a uma determinada verdade – a uma verdade estabelecida. Com a abertura de espírito para a destronar enquanto tal, se preciso for. Sem danos corporais ou consumições da alma. Um espírito comprometido medra, acanhado, na exiguidade de um palco mental. Do que se precisa é de espíritos descomprometidos. Avales das ideias que mudam quando do magma se soergue essa pulsão.
25.12.20
Second thoughts (short stories #288)
Dave Gahan, “Kingdom”, in https://www.youtube.com/watch?v=IwcUi-Aok6Q
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