11.12.20

Sanatório (short stories #284)

Yeah Yeah Yeahs, “Date With the Night”, in https://www.youtube.com/watch?v=NGNHQKeoSGY

          Chego a mim os desvalidos. Eu sou um sanatório, o labirinto sem arestas, sonoro resplandecer contra os anátemas que espiam desde insalubres lugares. Não prometo milagres. Dou de mim a pele avulsa, o improvável potentado que não protesta os contratempos. Território neutro, desmilitarizado de ultrajes, insciente das conspirações. Sanatório, mesmo arriscando a vaidade que profana os aveludados caminhos por onde se terça a humildade. Mas não guru, ou conselheiro embebido em sólida reputação. Apenas modesto interlocutor contra os miasmas do tempo, contra os mastins que servem enraivecidas locuções transgredindo a bonomia de todos – arma, de extração excecional, oposta à desonestidade das ideias e ao assalto dos puros. Sanatório que veda a entrada de ortodoxias e recusa as heterodoxias que se querem elevar ao lugar de ortodoxias de substituição. Um sanatório onde as dores de alma se possam sanar. Quase como se houvesse uma reinvenção da gramática e sanatório fosse o lugar onde males dispersos se podem sanar. Inventário não obrigatório em que a liberdade é o único mandato. Acredito-me, nem que seja no contrabando das almas. Aos provérbios assimilados, proclamo a minha recusa. Prefiro destronar os avatares reconhecidos, seus rostos urdidos na placidez da rotina, e receber a maré-viva de impropérios, destinado ao lugar exilado que só eu impetro. É deste sanatório que falo: um palacete perdido no meio da floresta, átomo das cicatrizes encerradas no mutismo do passado. Sanatório de que serei único inquilino, apesar de as janelas se escancararem desavergonhadamente. Julgo não saber o mínimo das ciências para ser entronizado confrade. Não sei o mínimo para dar a saber. As ruelas continuam a moldura da ausência. Ao silêncio, juro outro silêncio tanto. Não quero saber de mapas, intuições, oráculos, ou simples pressentimentos. O sanatório, o meu sanatório, tem admissão reservada.

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