A incrustada mania de estimar tudo pela quantidade leva a considerar válidas as visitas que se demoram. Ao ponto de as convenções idiomáticas terem representado as visitas efémeras como dignas de uma visita de médico. Porque os médicos limitam-se a breves momentos com os pacientes e estes gostariam que se demorassem, talvez para apurarem com inteira certeza o diagnóstico e a prescrição que habilita o paciente a derrotar a maleita.
Se assim fosse, os esculápios teriam, porventura, de trabalhar três vezes mais do que trabalham (alvitre sem base estatística). A alternativa seria deixar para quartas núpcias os pacientes que não fossem a tempo de uma meticulosa visita por causa da tanta demora nas visitas aos pacientes anteriores. Há sempre alguém que ficaria a perder se os médicos fossem constituídos na obrigação de se demorarem em cada paciente.
A ideia subliminar é a de que os médicos estão cheios de pressa (pois podem ter um imenso rol de pacientes para estimar) ou, por passarem de raspão por cada paciente, não lhes conferem a atenção de que são merecedores enquanto seus pacientes (o que invalida a hipótese de o médico experimentado precisar de pouco tempo para radiografar o estado de saúde do paciente). Vingou a ideia de que o tempo deve-se arrastar, sob pena de a brevidade ser julgada como insultuosa do utente.
Este é o pano de fundo para outra falácia: quando visitamos alguém e saímos ao fim de pouco tempo, arriscamos a ouvir, em tom de reprovação (ou de sarcasmo), que fizemos uma visita de médico. A duração das visitas é contaminada pelo efeito de arrastamento das indevidas convenções idiomáticas que atiram para cima dos médicos o opróbrio do tempo que se consome vorazmente. E nós, os que não gostamos de visitas delongadas, não sendo médicos, acabamos enredados nessa teia que enxovalha, injustamente, os médicos.
Tal como acontece com o tempo detido pelos médicos, as visitas a alguém não se podem medir pela métrica do tempo a que correspondem. Podemos estar muito tempo com alguém e, se durante esse tempo, a conversa não ultrapassa o verbete das banalidades, pouco fica da visita para memória futura. Podemos estar tempo a eito com alguém, mas se cada um passar o tempo a olhar para o telemóvel, a visita encaixa-se no longo tempo de que não sobra nada para memória futura. E podemos cingir a visita a pouco tempo e, todavia, esse ser um tempo sumarento e a visita fica guardada para memória futura.
O que fazemos com o tempo devia ter uma métrica diferente da que está vertida nos relógios. Devíamos ser os medidores da qualidade do tempo. Para decifrar o seu sortilégio: o tempo afere-se pela sua qualidade, não pelo cúmulo de segundos, minutos, dias, horas e dias.