16.8.21

A máquina de fazer futuro (short stories #352)

Jungle, “Keep Moving”, in https://www.youtube.com/watch?v=7-lWzQd_xeQ

          Sentado no parapeito da maré, as mãos cruas à espera de sentido. As ordens não se misturam com o aroma que é o fermento da manhã. E, todavia, há quem espere até que o tempo se esgote por si mesmo, preso à letargia. Pensava: há de haver um modo de temperar o futuro. (Sabia que o futuro tem tanto de irrenunciável como de indomável.) Há de haver uma máquina que fazer futuro. Documentou-se. Não foram respostas o que perfumou as mãos. Todos os compêndios listavam razões várias para ter o futuro como uma incógnita exterior à vontade. Não desistiu: o futuro não é o sangue que percorre as veias, mas também não será a entidade transcendental a que os compêndios encomendam as almas. Possivelmente haveria um modo de influenciar o futuro. Essa máquina estaria entre as nossas mãos, e não o sabemos. Alquebrados pelo peso estonteante das lições dos compêndios, não éramos capazes de entender o que estava a tão perto. Se não formos nós, o futuro não existe. Por mais que os ensinamentos banais o desmintam, somos fautores de uma quota-parte do futuro. E não é só o nosso futuro que se equaciona. No imenso feixe que se interseta, aparecemos no mapa dos outros, como os outros ocupam um lugar nas imediações do nosso centrípeto lugar. Hoje falamos pelo que poderá ser o ato vindouro. Somos os procuradores de um futuro qualquer. Sem o peso circunstancial das certezas que não rimam com o tempo por haver. A máquina de fazer futuro não alberga uma ciência exata. Nós somos os seus artesãos. Cabe-nos descodificar a densa linguagem em que se desdobra a sua teia de signos. Participamos no futuro antes de ele ter lugar, como seus hermeneutas. Sem a ajuda de oráculos nem o consentimento de presságios.

Sem comentários: