23.8.21

O abecedário do nó górdio (short stories #357)

Ty Segall and Denée Segall, “Feel Good”, in https://www.youtube.com/watch?v=yI24-fxsigo

          A terraplanagem erradica todas as raízes avulsas que se caldeavam com o subsolo. Pergunta-se ao sol se ainda falta muito para o enfado. O sol continua calado. Mas não é de respostas que partimos em demanda. Os muitos nós górdios que vêm calhar às mãos são uma graça. Significa que existem. Significa que estamos de atalaia para derrotar a letargia que é a matéria-prima do conformismo, paredes-meias com uma dormência que nos desapossa da vontade. Continuamos interessados em congeminar perguntas. Em saber que há perguntas inesgotáveis e que nos compete fazê-las. Não está em causa desatar os nós górdios que parecem um dilema intransitável. Esse é o seu abecedário – existem, e nós, com a sua existência, sabemos que engordamos com uma gordura boa, dirigindo a sensibilidade para as páginas até então fechadas sobre o seu cadeado. Dantes, quando a omissão de respostas fervia a angústia, era como se mergulhássemos num labirinto ensurdecedor, as vozes sobrepostas umas às outras num caldo de palavras sem sentido. O nó górdio era um contratempo. Isso era dantes. A madurez coabita com um lado escondido que vem ao de cima. E é esse lado escondido que oferece ao olhar novos ângulos que dantes estavam ocultos. Um nó górdio existe para ser desatado. Desatá-lo não exige uma resposta por cada interrogação derramada. As interrogações formuladas são o húmus necessário. O máximo denominador comum que preside à emergência de um nó górdio. É então que se desvendam as novas avenidas que passam a nortear o olhar. Avenidas novas, à espera de arroteamento. Ao contrário do estabelecido, o nó górdio desata-se quando temos a lucidez de saber as interrogações que devem ser hasteadas. Ao fazê-las, sabemos que são as interrogações acertadas. E começamos a desengatilhar o dilema que cimenta o nó górdio.

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