25.8.21

Façamos os números falar da maneira que queremos que eles falem

Beach House, “Space Song”, in https://www.youtube.com/watch?v=fqpiFLA21E0

Dos jornais: no “campeonato” da vacinação contra o vírus pandémico, estamos no décimo-primeiro lugar. No mesmo dia, horas depois da matinal leitura dos jornais, um secretário de Estado da tutela informa, com (a seu ver) justificável bazófia, que o lugar que nos pertence é o terceiro.

(Estes rankings têm o seu quê de pueril. Escondido atrás dos números, um espelho para mostrar – conforme as conveniências dos finos analistas – como um país se saiu bem no desiderato ou como ficou aquém do desejado, para depois se terçar a politiquice que deixa por resolver o principal assunto.)

Desconheço a alquimia que possibilitou a inopinada ascensão no ranking da manhã para a tarde. Não terão sido as vacinas programadas para esse período, que milagres destes pertencem ao esoterismo das religiões e das crendices populares. Desconheço se terão sido usadas diferentes metodologias para calcular a percentagem de população já inoculada ao ponto de, num punhado de horas, termos subido vertiginosamente do décimo-primeiro para o terceiro lugar. Pouco disso interessará. 

Mais importante é estimar dois efeitos que resultam desta batalha de números que os mostra contraditórios. Primeiro, os números pertencem a uma ciência exata, mas a sua manipulação expõe-se ao subjetivismo próprio de quem os manipula e dos interesses que carrega. Se for alterada uma das variáveis que entram na equação são obtidos resultados diferentes. Se, com isso, o resultado final é mais propício a quem encomendou a empreitada, escolha-se esse critério porque é o que mais convém. Aos costumes, nada se diga quanto às questões metodológicas e à justificação da escolha de um método em detrimento de outros. A seleção parece baseada no fundamento “é assim, porque sim”, um eufemismo para condecorar a imagem de quem se sente responsável por resultados tão favoráveis.

Em segundo lugar, com tudo se faz política – melhor dizendo, politiquice. Testemunhar o ar ufano do regente, ao triunfalmente afirmar que somos o terceiro melhor país na vacinação, é um convite para o cidadão o aplaudir, ele ali na condição de porta-voz do governo. E como a memória é alimentada por pilhas de muito curta duração, o que conta é a mensagem mais recente, passando por cima de toda a errância que dominou a ação do governo durante tanto tempo. Em seu abono, admita-se que essa errância não foi um fenómeno exclusivo.

Para completo escrutínio do episódio, só faltou algum plumitivo (que parecem domesticados quando recebem informações dos regentes) perguntar por que golpe de magia subiu o país do décimo-primeiro para o terceiro lugar num punhado de horas. Disso ficámos a saber zero, por demissão de quem devia escrutinar a retórica dos regentes.

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