Teria culpa no emagrecer do tempo, se a tirania do relógio se impunha e o olhar repetidas vezes descia ao relógio. Às vezes, era como se fizesse o tempo multiplicar-se por dez e ele andasse ainda mais depressa. Era assim com as memórias embutidas. A mnemónica do passado era assustadora: recuava até a um determinado instante e fazia a contagem do tempo entretanto havido para medir o tanto tempo que passara a ser menção da História. De repente, essa medida do tempo anestesiava-se no número exorbitante. Todo esse tempo havido parecia não quadrar com a sua dimensão. Ele voara, desmentindo a câmara lenta que só acontece quando nos exasperamos contra o tempo. O tempo ciciava como uma fratura exposta, exibida a destempo. Ao menos que o tempo restante não fosse tão imprudente. Ou melhor: que não fosse refém da negligência até sentir que a experiência pretérita se repetia quando o tempo se renovasse. Tinha de abrandar a lente que decanta o mundo. A velocidade estonteante tinha de ser travada. Não podia tolerar este excesso de velocidade, que não revertia a favor de uma vida transbordante. A pele despoja-se das cicatrizes para se entregar limpa ao tempo por haver. Essa capacidade é a intuição de como deve ser ordenado o tempo. Todas as formas de hibernação devem ser terminantemente recusadas. Elas representam o engaiolar do tempo sem que ele deixe de ter o seu curso. Ao consentir a vertiginosa aceleração do tempo ele foge entre os dedos, vertendo a angústia sobre o corpo desprotegido. Não podemos deixar aos outros a procuração do nosso tempo, porque não podemos contar com a sua indulgência. O tempo tem de passar a ser considerado um recurso em vias de extinção para se exigir a parcimónia no seu uso. Devíamos ser todos ambientalistas do nosso próprio tempo.
5.8.21
Fast forward (short stories #346)
Ty Segall, “Harmonizer”, in https://www.youtube.com/watch?v=Btw0ICFl4xE
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