26.8.21

Eles (short stories #359)

Thundercat, “Them Changes” (live at Later with Jools Holland), in https://www.youtube.com/watch?v=IbCKIqlmxD4

          Dizem que é mais fácil ser eles do que o eu tangível. Pois eles não admitem os contratempos que são a interrupção do tempo claro que adultera o eu que se tange. Eles são sempre fora da órbitra do eu, um apetecível chamamento para saber o que se fixa no exterior do eu. Eles não são eu. Mas se fosse eles o eu deixava de ser eu. Ou seria a transfiguração deles, contaminados por um eu neles transformado. Pode ser que eles sejam eu, também. Ou que eu, integrando um todo, seja parte deles. Termos em que o eu é sempre eles. Sem que eles cheguem a ser contíguos ao eu. Este desligamento imperativo sela a emancipação do eu. Se o eu se resumir à pertença a um eles, nunca deixará de ser apenas eles, diluído no grupo que integra. Não se tresleiam as palavras: um eu que se delimita do eles não é uma encarnação narcísica de um eu que não se revê neles; é apenas a fixação de fronteiras, a intangibilidade do eu que não se funde no eles nem a eles limita a sua existência. Eles são importantes. O eu não consegue viver sem eles. O eu é gregário. Eles são, por imposição conceptual, gregários. A fusão processa-se dentro das fronteiras que admitem as diferenças entre o eu e eles, e entre cada eu que integra o eles. O eu não é o somatório deles. E seria simplista configurar eles como o somatório de todos os eus que em si gravitam. O eu que se integra neles pode não se rever em todas as suas idiossincrasias, para não perder a autonomia ou hipotecar a vontade. Não é por coabitar nesta delimitação que perde a sua identidade. Eles não são uma prisão. São uma possibilidade, que o eu aceita ou não. 

Sem comentários: